Escrever é um
alívio! Aos poucos retomo minha escrita. Aos poucos consigo incorporar em
diferentes linhas, minha carga pesada. Aos poucos os outros vão sendo eu.
Engraçado essa coisa de analisar o outro. Quem é esse outro? Quem é essa figura
tão misteriosa? Hoje me sinto incomodada com as duas pontas de toda relação: Eu
e o Outro. Hoje não sei mais se há pontas. Se houver, só o sentimento os une.
Como sinapses, tudo se liga, mas nada (se) encosta. Definitivamente, não sei
lidar com os sentimentos nem do outro, nem de ninguém. Alguém tem o “caminho
das pedras”? Não há critérios nessa onda de experimentações que fazemos ao
longo da vida. Só há investimentos no escuro. Certeza: só provamos pessoas! As
convocações são por conseqüência, nunca por causa. E o depois vai ser depois,
mesmo!
Todo ritual de
conquista propõe formar “uma laranja inteira”. Esquecimento: há outros, somos
outros, de um. Somos os outros para os outros. Logo só temos Outros como Todos
nós. Então: viver é lidar com Outro, nunca com Eu. Carregamos um andor que
somos nós mesmos cercados por uma multidão que são os outros. Mas, e para o
Outro? O Outro somos EU. Ufa! Que dificuldade! Que confusão! Enfim, a ligadura
de todos os tipos de afinidades está no conjunto dinâmico de Outro. Aí surge a
pessoa integral do NÓS.
Isso é um
achado? Negativo! Redundantemente o “NÓS” tem complexas possibilidades de SER.
E uma delas são os SENTIMENTOS. Perde-se o sentido da posse. Anseia-se pela
invasão de mundos. Sente-se ameaças constantes. Não há lugar para soberbas.
Passado o primeiro momento de paixão, o que se tem é a meditação, o cuidado, a
observação, tudo o que desejarmos para nós mesmos. Não há um sentir isolado. No
fogo dos sentimentos cabe todo mundo, mesmo os mais inocentes. Esqueçamos as
isenções ou neutralidades. Equação simples: ver + ouvir = sentir. Mas tudo
seria tão simples assim? Não creio... Hoje eu não creio nem que exista
simplicidade. Tudo são grandes teias em que fomos fisgados se a intenção é
amistosa ou amorosa.
Não devemos
sentir POR ninguém! Não é justa a existência de masoquismos. Cada um “sabe a
delícia e a dor de ser o que é”. Até o fazemos por proteção, mas “nada dura
para sempre”. Em toda parte, a metáfora do espelho nos joga na cara o nível de nossas
capacidades e habilidades no trato com as “coisas” dos outros. Impossível
qualquer transferência. É preciso medidas, limites e algumas negações. Estar do
lado, ser parceiro, ter uma forte ligação, não desloca sofrimentos ou constrói
culpas. Afinal, todo sentir tem uma razão e é isso que devemos (podemos) APENAS
saber. A dor que dói doerá pelo tempo. Ninguém sabe sua exata medida, só quem
se perdeu (perde) em suas próprias brumas de maneira anestesiante.
Hoje encontrei
um amigo e só quis sentir a mim. Os primeiros instantes do encontro me
atrasaram no tempo. A impressão era que eu já tinha passado por aquilo. Muitos
meses nos desuniram, porém tudo acontecera no segundo anterior. Fiquei entre
“puxa...” e o “deixa pra lá”... Ontem encontrei outros amigos e “nada será como
antes”. Muita surpresa! Muitas falas desgostosas. Muitos assuntos de riso e
indignação. Fermentava a vontade de renovar as alegrias do passado e
desdobrá-las pelo futuro. Nos dois momentos calei alguns pensamentos e deixei a
fruição do presente tomar conta do ambiente. Não há eficiência possível. Falar
trazia à cena os sentimentos de todos e eu não queria os meus servidos ao molho
de vinho tinto.
Adoro os meus
amigos. Mas, da glória à tragédia, tantos problemas quase me anularam. Esse é o
pior momento: quando sentimos os sentimentos do Outro. É possível até ter culpa
do que não deu certo. A cada um que revela momentos de sua vida, há outro
antenado para tirar proveito e... julgar. Isso dilacera, quando descoberto.
Abrimos o baú de ossos e os escaninhos do cérebro, e isso me fez refletir sobre
a figura do Outro. Mil razões os aproximaram de mim, se instituíram como meus
tesouros de vida. Mas, no mínimo, só posso/pude intermediar. O sentimento do
Outro é uma ponte que nem sempre sabemos construir em nosso imaginário e, se o
fazemos, haverá o dia em que não agüentaremos o peso, aí é “ver pra crer” e
“seja o que Deus quiser”. Não sei se reconstruções ou desabamentos, só sei que
a dinâmica das relações está emparedada entre esses dois substantivos tão
significantes.
Todas as
histórias dos meus amigos são fortes, concentradas, heróicas, mágicas. Meu
amigo tem o dom de iludir. Meus amigos têm a sagacidade da percepção. Nas duas
situações, eu observo o nível da confiança. E chego a conclusão de que os
sentimentos dos Outros projetam diferentes padrões de confiança. Ninguém é “a
verdade e a vida”. O outro faz de nós o outro e, portanto, ele mesmo, aí é
difícil confiar, ser verdadeiro, amar. Aceitar essa minha impressão é negar
conflitos, humilhações, ataduras e esparadrapos existenciais. Aceitar a luxuria
da convivência é aprender a comportar-se bem.
Ao retornar
solitária para casa, percebo que, por muitas horas, esqueci de mim e atendi aos
sentimentos dos outros. Preciso de banho. O que é limpo espelha. E espelho
amedronta. Deito em meus lençóis brancos finalmente... Como estão meus amigos?
Segundo Artur da
Távola, “o sentimento do outro é o conteúdo do amor ao próximo.”
Claudia Nunes 2007
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