Depressão é
nosso ‘mal do século’! Nós desconsideramos nossas limitações e diante de um
susto como as últimas chuvas no Rio de Janeiro, ficamos frente a frente com
nossa imensa fragilidade. Para além do corpo, encaramos a certeza de uma fragilidade
com muitos adjetivos: social, política, psicológica, comportamental. É
triste... Foi triste... Está sendo aterrador...
Segundo Manzano
(2010), o filósofo Pascal inicia uma busca entre emoção e razão, mas, na
prática, o que vimos e o que vemos é uma profunda indiferença, um profundo
descaso sobre a Natureza e seus desígnios, por princípio. Mantemos um olhar
firme sobre nossos próprios pés e afins sem culpa. Caminhamos acreditando que
conceitos como ética, moral, verdade, cuidado e respeito não têm praticidade e
nem trazem bens materiais ou conforto financeiro. Daí, neste parâmetro, não
prestarem para nada. Logo, em nossa pretensa ação de visibilidade procuramos o
estrelato e não qualquer aglomerado de asteróides.
Diante de nosso
raciocínio plasmamos em nossa genética a idéia de que temos (ou podemos ter)
respostas para tudo porque tudo só existe a partir da nossa existência. É muito
abuso! Com essa idéia, cada vez menos nos sensibilizamos ou exploramos nossa
inteligência a serviço da cooperação, colaboração ou solidariedade no
cotidiano.
A sociedade em
geral reclama das desigualdades. Os detentores do poder político discursam
textos amplamente subjetivos. As instituições mais importantes como família e
religião apresentam-se com diversos antolhos. Logo, no barco que nos carrega
pela vida, estamos seqüestrados de atitudes transformadoras do real porque nos
falta ferramentas como articulação, reflexão, entendimento, conhecimento e
pensamento sobre passado, presente ou futuro das próprias comunidades e da sociedade.
Como aconteceu
ao Titanic, a humanidade imerge num grande caos com velocidade. Não há nada
previsto por Nostradamus ou no Apocalipse, não se enganem, sofremos as
conseqüências das ações da própria humanidade e, pelo jeito, o melhor que
podemos fazer é nos aterrorizar e entristecer diante dos acontecimentos.
Manzano (2010) afirma que ‘nunca se desprezou tanto a questão afetiva’ e ele
tem razão. Até nossas doenças tomaram outros rumos e ganharam novas
nomenclaturas, como depressão, síndrome do pânico etc. No bojo disto ainda
convivemos com ‘friezas, superficialidade nas relações interpessoais,
estresse’, o que, de acordo com Manzano (2010), são ‘sinais de uma sociedade
doente emocionalmente’.
Por que será?
Porque nos percebemos ao relento de qualquer qualidade de vida. Porque fomos
obrigados a assumir nossa incompetência organizacional. Porque estamos sendo
ceifados da Terra às dezenas a cada minuto do relógio. Desta forma, ‘as
pessoas, cada vez mais se isolam e se sentem cada vez mais sozinhas’. Desta
forma, só as hecatombes (terremotos, aguaceiros, avalanches, por exemplo) nos
despertam de um crescente ‘embrutecimento e insensibilidade atual’ e nos
convocam a reconhecer a presença do Outro como um ser em necessidade e/ou como
espelho de nossas próprias incapacidades.
Quando fomos
iluminados por uma genética que nos fez pensar, solucionar problemas e criar;
quando fomos presenteados com habilidades mutantes e competências híbridas em
meio às tantas relações/redes que construímos; também deveríamos entender (e
aceitar) que somos incompletos, inconstantes e que ainda não chegamos ‘ao ápice
de nosso desenvolvimento’. Esta seria nossa atitude de sucesso/salvadora,
porque envolveria ‘o reconhecimento de nossa limitação’ e nos ajudaria a
‘repensar nossa existência’.
A sensibilidade
de hoje com relação aos eventos naturais em todos país e no exterior é inócua,
desculpem. Ela será sobrepujada (já está sendo) por novos dias com mais sol,
seguidos de novas (outras) notícias como Copa do mundo, Olimpíadas, Eleições,
Corrupções, Assassinatos torpes dentre outros. Neste ínterim, as comunidades
atingidas abruptamente pelas avalanches de terra continuarão soterradas em
problemas e por promessas ambíguas ou irrealizáveis, porque aproveitando
Manzano (2010), estamos nos renovando dentro de um estoicismo exacerbado, ou
seja, dentro de uma ‘grande indiferença quanto aos diversos problemas da vida,
o que eleva a grandiosidade do homem, que uma vez pautado pelo seu lado
racional, pode se sentir ileso a qualquer problema de vida’. Então, ‘o máximo
que temos é uma relativa comoção que não se aprofunda’ porque seu acontecimento
tem limites temporais.
Em tempos de
religações intensas com o astral, os deuses ou Deus, a culpada das nossas
mazelas só pode ser nossa indiferença (‘no grego, chamado ataraxia – ausência
de preocupações, impertubalidade’). Descartamos do processo do entendimento e
da solução dos problemas, a emoção, como se esta pudesse nos levar a recantos e
situações sem perdão.
O estoicismo e
René Descartes criaram uma marca profunda em nossa massa encefálica e em nossa
memória: de um lado, a razão; de outro, a emoção. Com isso ‘esfriamos a cabeça’
e tendemos a acreditar que sucesso e conquista acontecem quando ‘colocamos a
cabeça no lugar’. Uma pena..., pois, com isso nos desconectamos da verdadeira
solidariedade, aquela que se faz todo dia, aos poucos, mesmo aos desconhecidos
e sem olhar a quem.
O jogo de
desvalorização da vida precisa ter um fim. Tanta racionalidade, criatividade,
tecnologia, leis e ainda menosprezamos todo e qualquer capital intelectual e
humano instalado ao nosso lado todos os dias. Há um ‘mecanicismo no qual os
próprios seres humanos caíram’ e agora não há escadas para voltar, tendo em
vista que ‘nunca se acreditou tanto na superioridade do homem’, ou melhor, e em
minha pequena reflexão, nunca se perdeu tanto a afetividade despretensiosa em
relação ao outro.
Diante dos fatos
ocorridos em São Paulo, Santa Catarina, Rio de janeiro e, agora, Salvador (além
do Haiti e China) observou-se o quão de lado estão os homens, seres humanos,
que não tiveram a oportunidade de desenvolver o mínimo de sua capacidade
racional; e, por conseguinte, mesmo com tantos avanços, o quanto a humanidade
não se superou em termos de ‘problemas básicos, como a fome, o analfabetismo, a
distribuição desigual de renda entre outros’.
O que se grita,
no século XXI, é por equilíbrio, ou algo que, pelo menos, funcione como
referência tranqüilizadora às diferentes populações; algo que alcance a
imaginação coletiva como zona de conforto em situações de revés, por hábito. Eu
acredito que este algo seja o ACESSO. Acesso com mínimos limites ou recortes.
Acesso à informação, aos direitos, à cultura e lazer, aos estudos, à saúde. E,
principalmente, por agora, o acesso à morte e à moradias dignas e sem
estampamentos ilusórios nas páginas dos jornais.
Estou bem
chateada e triste!
Referência:
MANZANO, Rodrigo dos Santos. Por um
resgate da sensibilidade. Filosofia, Ciência & Vida, nº 45, ano 2010, p.
18-26.
Claudia Nunes
2010
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