Desde a primeira vez que escutei o
ditado acima, senti que estava diante de uma verdade absoluta. Nunca um ditado
foi tão perfeito para mim e para representar os dias de hoje, principalmente,
pela discussão entre as marcas Daslu e Daspu. Tenho acompanhado a polêmica pela
mídia e, curiosa, fui, sexta-feira, dia 13/01/2006, à Praça Tiradentes, ver o
desfile da marca Daspu. Quem não foi, perdeu, foi fantástico! E, pelo que observei,
a discussão vai muito além de uma semelhança fonética ou uma diferença
consonantal. Atenção: posso ser considerada “fora do mundo”, mas antes das
notícias sobre a marca Daspu, eu nunca tinha ouvido falar em Daslu. E quando
isso aconteceu, Daslu era a empresa acusada de sonegar milhões em impostos
brasileiros.
O espetáculo das CPIs trouxe à tona
o que o populacho já sabia: as classes economicamente abastadas baseiam seus status
em sujeiras em baixo de seus tapetes persas. Essas sujeiras estão fortemente
encavernadas e envolvidas pelos invólucros da Lei. Não faço apologia da
anarquia no sentido perjorativo, apenas verifico que os pareceres, leituras,
análises e usos que se faz da Lei representam a relatividade de tudo. A Lei é
para todos, mas depende de quem lê e da leitura que se quer. Uma idéia: como os
livros de História, a Lei é construída pelos vencedores. Logo, a questão não
está na Lei, está em nossa gramática histórica!
Mas o caso aqui não é esse. A
discussão legal é legal e coerente. É preciso ter cuidados reais (legais?) com
as patenteações inescrupulosas. Mas pergunto: será que o legislativo federal
mandou uma notificação à Alemanha por patentear a rapadura? Duvido! Mas, é bom
fuçar o que não se diz no discurso veiculado sobre o assunto. É bom imprimir
intertextualidade às informações midiáticas. Nossas inteligências múltiplas
servem para isso também. E isso eu chamo de contextualização por articulação. Estou apenas pensando e gostaria
de qualquer interlocução.
Do luxo ao lixo, é cultural nossa
tentativa de não haver misturas entre as classes. Mesmo se a intenção for
incluir ou integrar, a verdade é que preconceito é F. Esse é o grau da minha
indignação! Fora dos livros teóricos ou de certa prepotência pessoal, temer as
diferenças, mesmo de estilos de vida, é nossa ferramenta de defesa, e aí, de
alguma maneira, excluímos mesmo! Fazendo uma pontuação bem objetiva: nossas
novelas não estão longe da verdade da sociedade brasileira quando criam núcleos
familiares em que, antes da vitória do amor entre ricos e pobres, todas as
diferenças são expostas e até se mata pela manutenção, em separado, de ambos os
“níveis”. Ainda assim, não podemos deixar de perceber que é possível apontar,
aqui e ali, hoje, aspectos que incidem em certa diluição da força do preconceito,
principalmente, pelo empreendimento de múltiplas discussões, sobre diferentes
temas, em âmbito comunitário. Mas a lentidão desse processo é clara!
Do lixo ao luxo, há marketing para
todas as exposições e ele é valoroso por se estruturar a partir do conceito
capitalista de consumo. Nesses dias em que acontece o evento de moda fashion no
Rio, os olhares estão atentos a dois pólos: o evento em si (resumido em Gisele)
e a marca Daspu (projetado por Gabriela). A questão da sonegação da Daslu é pizza
esquecida na geladeira da legislação pública. Entre Daslu e Daspu, e suas
consoantes, há a imagem do dinheiro separando o modus operandi de suas
clientes, sendo assim, ambas as marcas são apenas produtos para consumo em
“zonas” diferenciadas. Os filósofos da ética ficariam arrasados com isso tudo.
E a ênfase no suposto “erro”, “ultraje”, “abuso”, “sujeira” da Daspu me faz
redimensionar os chamados valores e conceitos tão decantados pela Educação
Brasileira. Estou jogando “m. no ventilador”? Tudo bem...
Daspu foi para o mundo porque é de
todos, em seu sentido mais abrangente. Sua estratégia, além de envolver luta
contra o estereótipo e pela cidadania, visa novas formas de exposição. É a
alternatividade criando moda. É a tentativa de nova inserção no mercado de
trabalho, de acordo com a idéia multimídia da sociedade da informação. Não há
sujeira. Nem mesmo há prostitutas. Há mulheres, “profissionais do mundo”, se
adequando aos novos tempos, pensando em sua qualidade financeira e bem-estar
pessoal, lutando por outros espaços de trabalho e de visibilidade, além
daqueles determinados pela normalidade, e se organizando em ONGs ou nas
tradicionais cooperativas, insistindo em serem ativas e funcionais como
qualquer um de nós. E a moda, nesse sentido, é terreno profundamente aberto,
eclético, alternativo e democrático. Elas deram um show na Praça Tiradentes!
A polêmica sugere uma luta pela
preservação de uma fonte lucrativa de um ponto (a Daslu) e aí a argumentação
insiste na palavra constrangimento; e, na outra ponta (a Daspu), uma luta pelo
privilégio simples de servir de inspiração para alguém, e aí, ao surgir com
moda (linhas batalha, básica, ativismo e folia), bloco carnavalesco (Prazeres
da Vida), loja (a ser aberta em Copacabana), jornal (Beijo da Rua) e site (www.daspu.com.br), a Daspu implementa a
vontade de provocar discussão, exposição e entendimento mais real “do que pode
ou não ser mais considerado ético na sociedade”, diz Gabriela Silva
Leite, ex-estudante de sociologia da USP, trabalhadora da Boca do Lixo
(SP), fundadora da Rede Brasileira de Prostituição e uma das criadoras da
polêmica grife.
O insight da marca Daspu é uma
resposta bem-humorada e criativa ao momento escandaloso das revelações sobre os
meandros da política brasileira, pois esta última, nas ruas, é lida pelo famoso
“já sabia”, expressão advinda dos gramados futebolísticos. E a moda Daspu
investe noutro tipo de ostentação: é a ostentação de princípios. Princípios
também ensinados nas escolas. Princípios sobre ser útil com trabalho honesto,
sempre! Todo mundo dá o que tem ou o que pode, dentro de limites muito
individuais! Ou não? Outro ditado: “meu dever acaba onde começam os direitos do
outro”.
Pelo jeito, os templos do sagrado
(Daslu) e do profano (Daspu) estão se tocando na dimensão ética e esse atrito
joga faíscas para todos os lados. Os incômodos e desconfortos são profusos. Seu
trocadilho mantém a Sociologia e a Antropologia ativas em suas construções
conceituais sobre o indivíduo e este em comunidade. E todos surfam pela palavra
imagem. Mas de que imagens falam? No caso
da Daslu, a imagem é de manutenção de status (mulheres “boas”...), e isso me
lembra Aurélia, no livro “Senhora”, de José de Alencar; e no caso da Daspu, a
imagem é de estilo de vida (mulheres “más”...), aqui a lembrança é de nossa
consagrada Capitu, personagem do livro “Dom Casmurro”, de Machado de Assis. Ah,
aqui, o livro “O médico e o monstro”, de Robert Louis Stevenson, também serve
de perspectiva.
Tão ousadas quanto Helio Oiticica e
seus parangolés, Caetano Veloso e o Tropicalismo, Hippies em Woodstock,
funkeiros e a incidência dos piercings, a moda da Daspu entende que a melhor
forma de diluir o estereótipo é torna-lo bonito, visível, francamente de bom
gosto e acessível a todos, inclusive ao mundo! Não mais apontável, nem
manuseável, mas, seguindo a gíria atual, a moda da Daspu “já é” simplesmente
por tentar se mostrar com seriedade e por propor mudanças nos comportamentos e
no ideário social.
Enfim, o
problema do Brasil é a concentração de tudo por poucos apesar de todos e isso é
fruto de um profundo egoísmo histórico. Ainda pensamos muito em dividir, quando
a ação deveria ser de promover a multiplicação da consciência brasileira, a
partir de reflexões sobre seus pontos de fuga. Não dá mais para escapar da “multimidianização” de todos os aspectos da realidade,
mesmo àqueles postos à margem, por pré-julgamentos.
Há
gosto para todos os gostos!
Viva Beth Lago!
Viva a Daspu!
Claudia Nunes 2006
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