quarta-feira, 17 de junho de 2015

Mulheres boas vão pro céu, mulheres más vão pra qualquer lugar

Desde a primeira vez que escutei o ditado acima, senti que estava diante de uma verdade absoluta. Nunca um ditado foi tão perfeito para mim e para representar os dias de hoje, principalmente, pela discussão entre as marcas Daslu e Daspu. Tenho acompanhado a polêmica pela mídia e, curiosa, fui, sexta-feira, dia 13/01/2006, à Praça Tiradentes, ver o desfile da marca Daspu. Quem não foi, perdeu, foi fantástico! E, pelo que observei, a discussão vai muito além de uma semelhança fonética ou uma diferença consonantal. Atenção: posso ser considerada “fora do mundo”, mas antes das notícias sobre a marca Daspu, eu nunca tinha ouvido falar em Daslu. E quando isso aconteceu, Daslu era a empresa acusada de sonegar milhões em impostos brasileiros.
O espetáculo das CPIs trouxe à tona o que o populacho já sabia: as classes economicamente abastadas baseiam seus status em sujeiras em baixo de seus tapetes persas. Essas sujeiras estão fortemente encavernadas e envolvidas pelos invólucros da Lei. Não faço apologia da anarquia no sentido perjorativo, apenas verifico que os pareceres, leituras, análises e usos que se faz da Lei representam a relatividade de tudo. A Lei é para todos, mas depende de quem lê e da leitura que se quer. Uma idéia: como os livros de História, a Lei é construída pelos vencedores. Logo, a questão não está na Lei, está em nossa gramática histórica!
Mas o caso aqui não é esse. A discussão legal é legal e coerente. É preciso ter cuidados reais (legais?) com as patenteações inescrupulosas. Mas pergunto: será que o legislativo federal mandou uma notificação à Alemanha por patentear a rapadura? Duvido! Mas, é bom fuçar o que não se diz no discurso veiculado sobre o assunto. É bom imprimir intertextualidade às informações midiáticas. Nossas inteligências múltiplas servem para isso também. E isso eu chamo de contextualização por articulação. Estou apenas pensando e gostaria de qualquer interlocução.
Do luxo ao lixo, é cultural nossa tentativa de não haver misturas entre as classes. Mesmo se a intenção for incluir ou integrar, a verdade é que preconceito é F. Esse é o grau da minha indignação! Fora dos livros teóricos ou de certa prepotência pessoal, temer as diferenças, mesmo de estilos de vida, é nossa ferramenta de defesa, e aí, de alguma maneira, excluímos mesmo! Fazendo uma pontuação bem objetiva: nossas novelas não estão longe da verdade da sociedade brasileira quando criam núcleos familiares em que, antes da vitória do amor entre ricos e pobres, todas as diferenças são expostas e até se mata pela manutenção, em separado, de ambos os “níveis”. Ainda assim, não podemos deixar de perceber que é possível apontar, aqui e ali, hoje, aspectos que incidem em certa diluição da força do preconceito, principalmente, pelo empreendimento de múltiplas discussões, sobre diferentes temas, em âmbito comunitário. Mas a lentidão desse processo é clara!
Do lixo ao luxo, há marketing para todas as exposições e ele é valoroso por se estruturar a partir do conceito capitalista de consumo. Nesses dias em que acontece o evento de moda fashion no Rio, os olhares estão atentos a dois pólos: o evento em si (resumido em Gisele) e a marca Daspu (projetado por Gabriela). A questão da sonegação da Daslu é pizza esquecida na geladeira da legislação pública. Entre Daslu e Daspu, e suas consoantes, há a imagem do dinheiro separando o modus operandi de suas clientes, sendo assim, ambas as marcas são apenas produtos para consumo em “zonas” diferenciadas. Os filósofos da ética ficariam arrasados com isso tudo. E a ênfase no suposto “erro”, “ultraje”, “abuso”, “sujeira” da Daspu me faz redimensionar os chamados valores e conceitos tão decantados pela Educação Brasileira. Estou jogando “m. no ventilador”? Tudo bem...
Daspu foi para o mundo porque é de todos, em seu sentido mais abrangente. Sua estratégia, além de envolver luta contra o estereótipo e pela cidadania, visa novas formas de exposição. É a alternatividade criando moda. É a tentativa de nova inserção no mercado de trabalho, de acordo com a idéia multimídia da sociedade da informação. Não há sujeira. Nem mesmo há prostitutas. Há mulheres, “profissionais do mundo”, se adequando aos novos tempos, pensando em sua qualidade financeira e bem-estar pessoal, lutando por outros espaços de trabalho e de visibilidade, além daqueles determinados pela normalidade, e se organizando em ONGs ou nas tradicionais cooperativas, insistindo em serem ativas e funcionais como qualquer um de nós. E a moda, nesse sentido, é terreno profundamente aberto, eclético, alternativo e democrático. Elas deram um show na Praça Tiradentes!
A polêmica sugere uma luta pela preservação de uma fonte lucrativa de um ponto (a Daslu) e aí a argumentação insiste na palavra constrangimento; e, na outra ponta (a Daspu), uma luta pelo privilégio simples de servir de inspiração para alguém, e aí, ao surgir com moda (linhas batalha, básica, ativismo e folia), bloco carnavalesco (Prazeres da Vida), loja (a ser aberta em Copacabana), jornal (Beijo da Rua) e site (www.daspu.com.br), a Daspu implementa a vontade de provocar discussão, exposição e entendimento mais real “do que pode ou não ser mais considerado ético na sociedade”, diz Gabriela Silva Leite, ex-estudante de sociologia da USP, trabalhadora da Boca do Lixo (SP), fundadora da Rede Brasileira de Prostituição e uma das criadoras da polêmica grife.
O insight da marca Daspu é uma resposta bem-humorada e criativa ao momento escandaloso das revelações sobre os meandros da política brasileira, pois esta última, nas ruas, é lida pelo famoso “já sabia”, expressão advinda dos gramados futebolísticos. E a moda Daspu investe noutro tipo de ostentação: é a ostentação de princípios. Princípios também ensinados nas escolas. Princípios sobre ser útil com trabalho honesto, sempre! Todo mundo dá o que tem ou o que pode, dentro de limites muito individuais! Ou não? Outro ditado: “meu dever acaba onde começam os direitos do outro”.
Pelo jeito, os templos do sagrado (Daslu) e do profano (Daspu) estão se tocando na dimensão ética e esse atrito joga faíscas para todos os lados. Os incômodos e desconfortos são profusos. Seu trocadilho mantém a Sociologia e a Antropologia ativas em suas construções conceituais sobre o indivíduo e este em comunidade. E todos surfam pela palavra imagem. Mas de que imagens falam? No caso da Daslu, a imagem é de manutenção de status (mulheres “boas”...), e isso me lembra Aurélia, no livro “Senhora”, de José de Alencar; e no caso da Daspu, a imagem é de estilo de vida (mulheres “más”...), aqui a lembrança é de nossa consagrada Capitu, personagem do livro “Dom Casmurro”, de Machado de Assis. Ah, aqui, o livro “O médico e o monstro”, de Robert Louis Stevenson, também serve de perspectiva.
Tão ousadas quanto Helio Oiticica e seus parangolés, Caetano Veloso e o Tropicalismo, Hippies em Woodstock, funkeiros e a incidência dos piercings, a moda da Daspu entende que a melhor forma de diluir o estereótipo é torna-lo bonito, visível, francamente de bom gosto e acessível a todos, inclusive ao mundo! Não mais apontável, nem manuseável, mas, seguindo a gíria atual, a moda da Daspu “já é” simplesmente por tentar se mostrar com seriedade e por propor mudanças nos comportamentos e no ideário social.
Enfim, o problema do Brasil é a concentração de tudo por poucos apesar de todos e isso é fruto de um profundo egoísmo histórico. Ainda pensamos muito em dividir, quando a ação deveria ser de promover a multiplicação da consciência brasileira, a partir de reflexões sobre seus pontos de fuga. Não dá mais para escapar da “multimidianização” de todos os aspectos da realidade, mesmo àqueles postos à margem, por pré-julgamentos.
Há gosto para todos os gostos!
Viva Beth Lago! Viva a Daspu!

                                                                                              Claudia Nunes 2006


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