Ao acordar Alberta lembra que precisa arrumar tudo rápido para viajar.
Depois de muitos sonhos e promessas, enfim iria viajar, iria sair pelo mundo
para descansar e se experimentar em outros sóis. Deitada ela sente a alegria e
a tensão deste momento. Deitada ela sabe que mais um véu irá ao chão:
desnudando. Será que ela terá medo? Será que vai ficar indecisa? China é um país
completamente fora do seu cotidiano. Ela trabalha com tecnologia de informação,
fala inglês e grego, e estuda arquitetura egípcia. Por que escolher a China?
Porque ela não sabia nada de lá. Até comprara um guia de expressões chinesas
para viajantes, mas não abrira. A experiência de experimentar não poderia ser
maculada. Seu corpo tremia e sua cabeça estava enevoada de imaginações. De
repente, lembrara: iria sozinha. Depois da faculdade, pouca coisa fizera
sozinha: alguém pra indicar, pra aconselhar, pra obrigar, pra mandar. Sempre um
alguém na ante-sala da sua autonomia. E agora, China! Não foi fácil: mãe
nervosa, sobrinhos tristes, namorada ‘bicudo’. Mas ela enfrentou e vai! Ai meu
Deus! Olha ao redor: malas prontas, passaporte na cabeceira da mesinha, roupa
de viagem na poltrona e contas pagas. Que felicidade! Que alegria! Nunca
sentira essas coisas. Nunca teve licença para ‘estar-no-mundo-a-passeio’ e com
pouca bagagem. Em cada dia, responsabilidades, obrigações, família e amor...
tudo trabalho e muito cansaço. Nunca mais a sensação de liberdade de ser outra.
Nem o espelho ajudava. Mas agora tudo mudou. A vida pode ter gosto bom! Alberta
se espreguiça e promete a si mesma que suas próximas imagens serão verdadeiras,
coloridas e sem ‘senões’. Todos os véus perdem os sentidos, as preferências, as
texturas. As horas não mais a incomodavam ou distraiam: ela vai cruzar varaus e
muralhas, transportando todas as suas emoções, com um convite: seu passaporte.
Sem querer mais pensar, toma um banho gelado, se apronta com atenção, desliga
as luzes da casa, fecha todas as janelas e pega as chaves. Alguém ainda
duvidaria de sua importância? Não importa mais. Seu vestido é novo, sua mala é
nova, até seu chaveiro é novo. Na próxima meia hora, cada passo dará elasticidade
a sua maturidade para sempre. Ao descer as escadas, sob os olhares de outros
moradores, e sem constrangimentos, Alberta corre desvairada pelo pátio da
clínica de recuperação onde fora internada com delírios desgovernados.
Claudia Nunes 2010
Nenhum comentário:
Postar um comentário