quinta-feira, 18 de junho de 2015

PROMESSA INESQUECÍVEL


São 3 horas da manha de uma quarta-feira e eu estou acordadíssima. Eu e minha memória brincamos com uma nuvem densa de lembranças que cismam em permanecer acordadas. Como crianças, elas se misturam, se jogam, sorriem e não querem dormir. Todas são fortes, vistosas e estampam a vontade de nunca mais se esconderem... nem mesmo por causa do tempo. Às vezes acredito que precisamos de certas mortes para que a vida seja melhor vivida. Existem momentos em nossas vidas que são verdadeiros testes para nós mesmos. Nada nos previne. Tudo só depois. Assim estão as coisas agora. Assim me sinto agora: estou em “dejavouz”. Depois de trabalhar todo o dia, estava voltando para casa quando um Opala negro, 4 portas, ano 62, simplesmente se destacou em meio a todos os carros que passavam na Praça da Bandeira. Distraída, conversando comigo mesma, tive o olhar preso naquele automóvel pelo brilho de uma de suas lanternas traseiras. Eu conhecia aquela lanterna e a conhecia “de outros carnavais!” Parada no sinal, e distraída, estava minha juventude. Silenciei todos os pensamentos e mirei naquele objeto que carregava 14 anos da minha vida. Num primeiro momento não acreditei. Era impossível! Acelerei meu carro. Eu estava olhando para um carro em cuja direção estava a pessoa mais importante da minha vida: uma amiga. Tal qual o filme, Gilda era inesquecível. Eu não via a pessoa, via minha formação, minhas dúvidas, minha profissão, meus sonhos, minha afetividade e... meu erro. Os carros correram e minha imaginação alcançou parte do meu cérebro muito bem guardada: dias felizes. Nunca mais fui tão feliz na vida. Tenho felicidades diferentes, mas não com aquela profundidade, verdade e heroísmo. Atrás daquele volante e, em meio a fumaça do cigarro “ELA”, meu ídolo, minha admiração, minha escola, minhas primeiras experiências profissionais. Acelerei o carro e emparelhei. Ela estava completamente distraída. Como ficava distraída no trânsito do Rio de Janeiro? Ela era assim: paladina. Seus pensamentos sempre foram ágeis, direcionados e brutais. Nossa! Como ela estava diferente! A penumbra da noite a identificava, mas não a revelava. Pequena, cabelos bem mais curtos, rosto mais idoso. Nossa! Que bom vê-la depois de sete anos de desencontros. Emparelhei o carro muitas vezes, mas não tinha coragem de buzinar. Para que tirá-la da sua distração? Talvez a vida dela sejam essas distrações solitárias... Sempre teve uma imensidão de pensamentos diários... Sempre foi a mulher das grandes histórias ou dos grandes acontecimentos... Eu me sentia em queda livre. Minhas vontades escaparam. Meus desejos encontraram uma brecha bidimensional e entraram em meu baú de guardados. Doía lembrar... Por que encontrá-la agora? Por que eu tinha que vê-la hoje? Olhei o retrovisor e estanquei: eu estava morta! Eu estava vendo algo perdido / passado. Pálida, tive vontade de chorar. Encontros, desencontros, casamento, brigas, choros, amores, mestrados, viagens, fugas, cartas, discussões, enterros, bilhetes, presentes, cartões: todo o meu baú emergia sem dó nem piedade. Foram 14 anos em que Touro e Leão eram pura harmonia, lealdade e confiança, apesar do fantasma do descarte fácil. Deslizes sempre foram inadmissíveis! Agora olho àquela mulher e sinto toda a minha personalidade na minha cara! Ela nunca me disse “vem por aqui”, seu lema era “escolha o lugar e vamos!” Nenhum impedimento. Psicóloga de plantão, nenhum problema. Hoje eu sou! Hoje ela foi! Buzino ou não? A UERJ se agiganta e nossos caminhos vão se separar. A mão é voluntária para um desejo autoritário. Buzino: bip bip... Buzino de novo: bip bip... Escuto esse “bip bip” e acelero meu coração. São precisos dois olhares para que ela me concretize. Sinto o riso. Aceno. E ganho a palidez, o espanto e a seriedade de um rosto que nunca aprendeu a perdoar. Mesmo assim digo “oi bonita!” Nossa! Como foi bom dizer isso! Bonita sempre foi dela. Expressão cuja única lembrança é dela. Sinal fechado. Tensão doída. Digo ainda: “como vai?” Suspeito uma lágrima, mas nada... silêncio... olhar fixo em mim... Meus olhos estão marejados... Cometi um erro: um dia, quis ser diferente. Custo: a amizade. O sinal abriu. “Cantando” os pneus, ela arranca com o carro. Olhei e me lembrei: iríamos à Grécia esse ano e comemoraríamos 40 e 60 anos. Eis a promessa! E nas brumas da noite carioca, dias antes do meu aniversário, mal nos conhecemos. Por que acreditar?

Claudia Nunes 2005


PROCEDIMENTOS DE SUCESSO

Á Profa. Nadia Riche

Em todo ano o segundo semestre tem dois clímaxes: agosto e dezembro. Agosto nunca acaba. Impressionante como um mês pode ser tão longo. Além disso, carrega uma simbologia negativa que o senso comum acredita piamente: “Agosto? Mês de desgosto, argh!”. Ainda assim, também se sabe que, quando agosto passa, basicamente estamos no Natal. Os deuses aceleram o tempo e os meses seguintes quase que se sobrepõem. Setembro, outubro e novembro são meses das arrumações, finalizações, limpezas, reencontros, resultados, fechamentos, tudo em geral. As lixeiras e os lixões ficam abarrotados de todos os nossos instantes de posse e gozo. Setembro, outubro e novembro são meses em que se fermentam os desejos que serão explicitados em simpatias, mandingas, pensamentos positivos, oferendas etc., no mês de Dezembro, em diversos mares, terreiros, “quartinhos”, igrejas, reuniões etc. Três meses em que o religioso (no sentido apenas de religar) abastece todas as suspeitas de que: conquistas? como dizia minha avó: só para o ano! Casa, família, amigos e trabalho começam a se caracterizar como territórios das metas que serão estabelecidas somente no ano que vem. Três meses em que há reflexões sobre o que se conseguiu e, de outra parte, por que não se conseguiu, os resultados sonhados.
Aí surge Dezembro, o Rei da Festa! Esse é o mês (para a maioria) das novidades, dos “pontos finais”, das avaliações pessoais e profissionais, de reavaliar resultados parciais ou nulos, dos perdões, das saudades, das festas e dos presentes. Dezembro é o mês em que presentear visibiliza TODAS as pessoas. Os pensamentos pensam pessoas! Mas também é o mês em que novos planos são focalizados. Novas metas são criadas. Novos planejamentos são elaborados. Não sei bem o que acontece, mas o ar desse mês tem uma aura tão otimista e franca que os objetivos nunca apontam para o fracasso. Nesse se pensa na hora, se e quando acontecer, e aí, dá-se um jeito! O que se quer é sucesso!
Como pode haver fracasso, se o mês de dezembro é o início da grande virada? Todos querem a grande virada. Mas o que seria isso? Depende do foco e da concentração de cada um. Todo objetivo bem planejado precisa de um trabalho incisivo e insistente no ponto do desejo. Mês de dezembro enfim, é o mês dos projetos de vida! Mas há uma apreensão que cerca essa certeza: como fazer dar certo? como chegar ao ponto-destino? Quase como uma filosofia de bar, dizemos: uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. Melhorando: uma coisa é a teoria - projeto de pesquisa -, outra coisa é a prática - projeto de implementação. Mas para ambos (projetos e perguntas) há chaves de resposta, e essas são: simplicidade, clareza, adequação, contexto e, principalmente, regularidade. Sem serem lineares, essas são as chaves em que se concentra a esperança dos aclamados “dias melhores”. Recursos para isso? Observação, diálogo, humildade, criatividade, relações, silêncios, leituras e concentração: é o tão famoso “depende de nós”. Coincidência, destino, intuição, sorte são elementos consideráveis, mas nunca fiéis a todos os gostos.
Os projetos de vida criam alvos aos quais precisamos atingir a partir de mínimas regras, senão não passam/passarão de meros desejos otimistas. Do projeto (vínculo com um futuro incerto e querido) parte-se para o planejamento. Os “sonhos de uma noite de verão” podem se transformar em momentos de conquista pessoal ou profissional, se bem planejados. Aí é preciso raciocinar. Nada pode ser mirabolante. Nada precisa ser “a ultima moda de Paris”. Não há a necessidade de se reinventar a Roda a toda hora. Aqui é preciso ter e manter “os pés no chão”. No singular e pessoal chão da própria vida! O contexto precisa ser conhecido, referendado e ultrapassado. Essa é nossa conseqüência e, logo, nossa responsabilidade, diante das propostas que nos impomos a cada “virada de ano”. Sugestão? Papel e lápis! Nada de caneta! Rasuras sujam a beleza dos sonhos. Papel e lápis mesmo! É preciso sentir o que é real, mesmo apagando-se alguma coisa aqui e ali. Na era da imagem, tudo o que for palpável embute segurança, valor e compromisso ao que se quer atingir, logo: papel e lápis! Há um ano inteiro para atravessar. São 365 dias em que é possível ultrapassar o nível das promessas.  Papel e lápis para contratar o tempo a nosso favor. Papel e lápis para planejar, ou seja, raciocinar sobre os limites a serem revistos e ultrapassados diante do conhecimento da realidade que se quer transformar, conquistar ou mesmo reinventar. Erro comum: não se acreditar na presença das dificuldades.
Desde que nos firmamos em duas pernas, superamos dificuldades. A nossa ação no mundo é essa! Inteligência, aprendizagem, criatividade, amor, amizade, afeto, tudo se realiza por superação! Cada passo foi/é dado pela emergência em solucionar uma dada situação ou necessidade. Ao sabor do vento, vergamos para todos os lados quando o fardo, apresentado a nós, pelas surpresas da vida, é duro ou pesado de sustentar, mas, ainda com os pés no chão, não nos distanciamos de nossas metas/objetivos. Sendo assim, planejar é criar os passos pelos quais realizaremos nossos tão sonhados objetivos ainda que tenhamos que caminhar através de desvios e/ou atalhos. Planejar é oportunizar a capacidade de... emagrecer, casar, estudar, passar, viver, amar, ganhar.
Se Dezembro é o mês dos projetos (pinçados da imaginação), Janeiro é o mês dos planejamentos: momento em que procedimentamos todas as nossas ações dentro de um cronograma. É o mês em que a pergunta “como vou fazer isso?” principia a resposta aos projetos de vida. Projeto imaginado. Planejamento elencado. Vamos aos objetivos! E esses têm parceiros-siamêses: os métodos. Alcançar objetivos exige, além de incentivos, métodos! Que caminhos seguiremos para alcançar os objetivos? Esses são os métodos! Preparar-se para o novo ano é, em primeiro lugar, pensar em como superar dificuldades (as próprias) do ano anterior.  Todo método é ação de superação e descoberta. Projetar supõe. Planejar prevê. Método previne. Incenso, banho de rosa branca, passes, pular sete ondas no mar, vestir branco, etc. tudo pode ajudar no equilíbrio do corpo e da mente. Mas para “firmar o ponto” do método, é preciso, além da fé, coerência, pesquisa e muita auto-estima!
Quando entendemos que todos os eventos cotidianos estão interligados, entendemos também que, somente com atividade, dedicação, disciplina e objetividade, os resultados se apresentarão de maneira efetiva. E isso se dá harmonizando a tríade: planejamento, objetivo e método! Portanto, métodos são ações realistas que, além de justificarem o planejamento, põem em funcionamento o projeto e os objetivos a ele relacionados. A metodologia administra os passos de superação de cada etapa até o alcance dos objetivos. A metodologia é a instrumentalização dos projetos ao encontro com seus objetivos. Em Janeiro, a metodologia encabeça o ritmo dos procedimentos enumerados no planejamento. Essa é a preparação “científica” para o novo ano. Essa é a perspectiva criativa e trabalhosa do encontro com os “louros da vitória” pessoal e profissional.
Em vista disso, Dezembro e Janeiro são os meses da crença no sucesso. Há uma sensação de que, como uma urna eleitoral, tiramos a zerésima do ano anterior, esvaziamos a máquina dos votos e a (nos) reprogramamos para o próximo ano. Não há a necessidade de espelhos que conduzam nossas vontades-bebês. Todos os planos visam a valorização da auto-estima e acrescentam nela o elemento prazer. Todas as estratégias são de guerrilha para a implementação dos projetos, no panorama real dos planejamentos, a partir de planos de ação que se objetivam ao longo de métodos proporcionais ao nosso campo de batalha anual. Desânimo, ansiedade, indiferença, ostracismo, ilustram apenas a perda momentânea de certas habilidades, afinal sofremos as influências dos acontecimentos de nossos ambientes e de nossas afinidades. Os insucessos serão, com isso, os buracos negros de nossa perseverança e precisaremos de suas presenças para saber onde e como fincar nosso pé no horizonte de um novo dia/tempo/lugar. E eles acontecerão mesmo! Batalhas podem ser perdidas (processos de aprendizagem descontextualizados), nunca a Guerra (conhecimento, saber)! Então, o que cabe aqui e em nós? Reajustes! Ou seja, cabe a escrita de novos contratos com o futuro, pit-stops cujas ações incidirão sobre o progresso de cada passo estipulado no planejamento anual, na medida em que se alterem algumas tarefas listadas na metodologia.
Não há fórmulas alopáticas nem homeopáticas para o alcance das metas ou do sucesso. Não há como não cometer erros, mas eles devem e precisam ser novos, ou seja, resultantes de todo um processo de projeção no sucesso patrocinado por mudanças eventuais em algumas “regras do jogo”. Isso é viver! E o novo ano, limitado dentro de um calendário ou dentro de um cronograma, não nos faz prisioneiros do amanha, nos faz apenas inventores, cada vez mais criativos, de maneiras de desenvolver e manter nossa humanidade.
Iniciem seus projetos! Atitude em seus planejamentos! Postura com seus métodos e objetivos! E muito sucesso em 2006!

Ah, esqueci: cuidado com o orçamento hein!!!

                                                                                              Claudia Nunes 2007


PRATELEIRAS EMOCIONAIS

Prateleiras... Além de muros, adoro pensar em prateleiras. Num domingo em casa e resfriada, olho minhas prateleiras e penso em amor. Sim, amor. Como se monta o amor? Como se mantém o amor? Como se vive o amor? Amor se constrói no desejo de prateleiras emocionais. Amor se mantém na limpeza dos entulhos das prateleiras. Amor se vive em cada prateleira recheada de sensibilidades dispostas internamente ou na relação. E quando o amor acaba? E se o amor está sustado? O que significa? Pelo que sinto, significa que o amor tornou-se inútil, obsoleto e monótono como uma prateleira com elementos de outra geração. E ai o que fazer com as prateleiras das certezas, da confiança, das doações, dos silêncios adquiridas numa relação?
Prateleiras... Quais são os sentidos das prateleiras na vida de alguém? Arrumação? Organização? Limpeza? Investimento? Dentro de um armário, ou nas paredes ou mesmo nas memórias, as prateleiras sugerem cenários cujos objetos, pessoas e informações estão bem ordenadas e fáceis ‘de pegar’. Eu chamo de 'coerência de atitudes' ou 'consciência dos comportamentos'. Mas e as emoções? Como otimizar e organizar as emoções? É possível? Ou pelo menos, é possível por muito tempo? Sei lá... Esta semana foram veiculadas várias notícias sobre ataques e mortes por amor ou porque o amor de UM acabou. Em sua grande maioria, homens surtaram, sequestraram, espancaram e assassinaram suas cônjuges por não aceitarem a decisão de 'fim de caso'. O que isso quer dizer? Parece que, mesmo no amor, existem espaços (prateleiras) cheios de sentimentos inenarráveis ou disfarçados cuja representação só se pronuncia reativamente com a decisão do Outro de ir embora ou de terminar a relação ou ainda dar um tempo. Até onde posso observar, hoje em dia, os casais são formados pela loucura da mentira de si mesmo em detrimento da conquista do Outro e na esperança de que isto inaugure prateleiras emocionais fortes e, pasmem, 'para sempre'.
E as crises? Não há vida 'limpinha' ou 'cor de rosa'. Pelo jeito, diante de determinadas crises, ansiedades ou ‘xeques-mate’, em defesa de si mesmo, nos acercamos das prateleiras cheias de pó e teias de aranha escondidas em nosso interior. Em contrapartida, energizamos nossos imaginários, comportamentos e atitudes perante o social ou em nossos relacionamentos para ‘parecermos’ bem, articulados e abnegados diante da situação. É muita confusão!
Diante do confronto, o disfarce! Diante do conflito, a agressão! Para que? Por quê? Impulso? Exposição do inconsciente? Transtorno? Amor próprio ferido? Não há explicações, apenas tínhamos os dados desequilibrantes dentro de nós e quando interceptados pelo distúrbio da negação, afloraram como impulsos radicais e sem (pre)visão racional. Neste momento, o que se quer é eliminar o problema para, de novo, nos sentirmos bem e continuarmos a vida. Interessante como as diversas formas de agressividade são nossas primeiras armas de acesso tal e qual um grande trunfo 'na manga' num jogo de pôquer. É ganhar ou ganhar!
Mas somos compostos apenas disto? Devemos ser analisados apenas por isto? Não! Nós temos de tudo um pouco, porém forçamos o crescimento (e a repetição) de ações equilibradas (mas performáticas) e claras de forma a evitar conflitos o tempo todo. Sem perceber criamos feridas em nossas personalidades. Em nome da ‘paz de espírito’, assumimos as rédeas da construção do nosso temperamento e de nossa personalidade, e com isso supomos angariar o respeito e/ou o amor do Outro. Discutir? Contrariar? Conversar? Nunca! Disfarce... Nossos sentimentos ganham menos burocratização e mais vícios. Cada escolha e/ou decisão, neste sentido, monta uma nova prateleira em nossas mentes capaz de facilitar o acesso aos pensamentos e sensibilidades mais coerentes e estas são adivinhadas em nossos olhares e em nossos passos, mesmo envoltos em diversidades (ou gritos), como elemento importante no conjunto de nosso ‘organismo psicológico’. Pelo menos, tentamos...
No mundo, em nossa relação com o mundo, pessoas, objetos e sentidos são assimilados aos borbotões, e cada um, se absorvido como importante, tem seu lugar em nosso coração e nossa mente, daí serem necessárias novas prateleiras para que, internamente, não possamos respirar com confusão ou dificuldade. Cada homem e cada mulher têm sua pele e sua prateleira bem protegidas pelos conceitos e valores aprendidos porque não dá para construir felicidade empilhando aleatoriamente emoções e informações sem vivê-las ou sem pensá-las. Porém diante da recusa do Outro, diante de um feedback muito crítico, essa abnegação pode se romper, essa armadura de idéias e ações perdem seus véus. E, além de certas fragilidades ou inseguranças inerentes, expômos nosso tanto de agressividade. Aí retornamos às prateleiras do orgulho e da soberba! Ai, talvez, só talvez, matemos...
O descarte é possível e é provocado pelos desenganos, desvelamentos e descobertas pequenas ou grandes no decorrer da convivência. Mas, ao invés de entrarmos numa relação depressiva conosco mesmo, projetamos renovações egoisticamente agradáveis, ou seja, independente do Outro. As prateleiras dos sonhos, do passado são revistas e reacomodadas de acordo com a intensidade dos nossos investimentos e muito relacionadas ao nosso ‘bel-prazer’, mais para atingir ferozmente o Outro, do que para aprender e, aos poucos superar o desgosto. Esta ação aumenta a ação reflexiva sobre o mundo exterior e sobre as pessoas. a sensação de abandono ou de solidão lidera a vontade de nos embutir mais prateleiras internas. é a tentativa de controle das emoções e, de novo, conter espaços compreensíveis, confortáveis e seguros, a revelia do Outro. E ai, talvez, e só talvez, matemos... Triste, muito triste...
Prateleiras emocionais dão a sensação de que temos variadas opções de ocupação; interiorizam a certeza de que nossos corpos estão abertos às múltiplas oportunidades cognitivas, motoras e sensoriais que envolvem tanto o crescimento biopsicossocial, quanto educacional. Mas, de outro lado, prateleiras emocionais também demonstram as dependências que criamos quando confrontados com determinadas ações e situações. Neste momento invocamos nossa consciência, pinçamos diferentes informações e agimos por defesas para sobreviver, e não entendemos o que quer que nos tenha alijado de nossas zonas de conforto. Por conseguinte, nossas memórias afetivas mais atrapalham do que nos ajudam em nossos futuros passos na vida. Por quê? Porque, nas prateleiras, temos de tudo um pouco e, no processo de escolha, não reconhecemos possíveis conseqüências ou estamos desinformados sobre o futuro, o que precisamos é nos defender a qualquer preço!
Humanos, humanos, é preciso ter cuidado, criar prateleiras com informações versáteis e flexíveis ao contexto exterior e/ou sobre o que se tem, o que se pode ou o que se quer ter, fazer ou desejar, evitando grandes confusões e retrocessos ‘sangrentos’ à liberdade de ser, no coletivo e/ou no par afetivo, um indivíduo de idéias autônomas e sensíveis. Hoje em dia, não há mais espaço para pilhagens aleatórias de informações ou emoções, é preciso reconduzir os cérebros a mutações constantes, sem perder a sagacidade do entendimento de quem somos ótimos no coletivo e na relação, mas, em princípio, precisamos ser maravilhosos em nossas individualidades e por elas lutar quase sem tréguas sentimentais.
Quando aceitamos que sempre haverá faltas visíveis ou sensíveis em nossas prateleiras, mais valor podemos dar ao conjunto de papéis emocionais (ou não) que se deve expor em nossos desempenhos (ou performances) afetivas. Evita-se, assim, um contínuo abastecimento de indignidades, falsidades ou maledicências no coração e na mente.

Quer prateleiras?
Assuma posições pessoais com sabor de humanidade sem remorsos!

Claudia Nunes 2010


PLACEBOS DIÁRIOS

O mundo pós-moderno instalou o que Freud chamou de “o mal-estar na civilização”. Há a sensação de que o futuro é uma fatia do tempo destruída por todos os excessos. Não há mais sustentabilidade à construção de objetivos para um futuro melhor, há a imediatez de resultados quanto a ser isso ou aquilo, no “agora” de todas as ações e gestos individuais e coletivos. Criamos o ser em representação extrema.  Há a impressão de que não há mais mistério a ser conquistado. E, neste sentido, voltamos a ressignificar, por exemplo, as “folhas de papel”.
Diários, agendas, livros, blogs tornam-se o reprocessamento da vontade de marcar a humanidade na história, inesquecivelmente. Mesmo por simulação e envolvido em dimensões diferentes de vida, o jogo humano sustenta-se em viver 24 horas intensamente. Cada dado jogado na mesa da realidade assusta (e susta) de forma drástica a rotina: ei-nos indecisos e espantados diante do todo real em que estamos imersos!
            Esse jogo intenso reconfigura nosso espírito mágico e retomam à cena de nossas melhores defesas, as religiões, os chás medicinais, os passes espirituais, o pensamento positivo, as –logias (numerologia, astrologia etc) e a esperança. Tudo em prol da manutenção do nosso bem-estar e de nosso conforto. Sem o futuro, adoramos o indecifrável como sendo nosso cordão umbilical entre imaginação e realidade, ou mesmo, nosso fio de prata entre o céu e a Terra, e vivemos o presente com muita intensidade. Cordão e fio nunca podem ser cortados porque, por eles, circula a energia de cada novo despertar, ação e emoção. Nossas zonas de conforto são nossas receitas prontas ou mesmo, aquilo que nos é dado “de bandeja”, com esforço mínimo e por elas conseguimos sobreviver a cada novo dia.
            Essas receitas têm escritos (e inscritos) ingredientes vitais que permite nos livrar de qualquer que seja o sintoma (dor, sofrimento), porque antes de tudo, a ação de cura necessita da crença e de confiança irrefutáveis. Acreditar é preciso! Como somos a recorrência de nossos medos, de nossas atitudes e também de nossa inocência, optamos, sempre, pelos chamados “placebos”, imitações de uma autenticidade sempre dura de conquistar e de gerir. Sendo assim, ainda que “vaguemos pelo vale da sombra da morte”, queremos calma, satisfação e prazer todos os dias.
            Nossos “placebos”, ou representações, ou simulações, ou psicotecnologias, por muito tempo foram desacreditados. Eles fogem às regras da racionalidade social, e aí nos dizem: “enfrente o problema! Não o evite!” ou mesmo, que evitar o confronto em qualquer situação é pseudo-viver então “arrisque-se!”. Mas como encarar tudo o que a vida nos apronta “com a roupa encharcada e a alma repleta de chão”? Não dá! O corpo e o cérebro, em alguma hora, “alucinam” o seu desenvolvimento (e funcionamento) e se rebelam: ficamos doentes “de tudo”, no limite tensional, daí a evolução moderna das doenças psicossomáticas no séc. XXI. Não é possível manter a integridade e a serenidade todo o tempo.
Por conseguinte, é preciso lembrar que ainda temos um cérebro reptiliano forte, logo nossos impulsos e descontroles têm (fazem) parte desse nosso “show da vida”, vez por outra, como forma de expurgo, de alívio, de (des)repressão. Pretendemos uma “vida moderninha”, mas não podemos subjulgar nossa primitividade sem criar distúrbios e graves bloqueios.
            Como a vida se processa em uma onda parabólica, nossos momentos “pseudo”, além de agenciarem a misteriosa capacidade do cérebro de comandar alterações bioquímicas essenciais aos combates com o cotidiano, também nos defrontam com o que realmente somos. Como os “placebos” são nossa relação especular conosco mesmo, necessitamos demais deles! E isso não é apologia a uma “vida cor de rosa” e cheia de felicidades, é uma vontade de aproveitar todos os nossos momentos insólitos ou absurdos para parar a engrenagem da rotina e criar novas propostas de interatividade: interferência modificadora de si mesmo na relação com a vida.
            Essa atitude torna os placebos apoios psicológicos e informação terapêutica cujo reflexo é a ressiginificação das estruturas mentais e sociais. Implementa-se nova noção (visão de mundo) sobre a influência dos distúrbios na formação do ser social e entende-se melhor os transtornos sentidos pelas surpresas, espantos e perdas diárias.
            Todo ser humano é um “quebra-cabeça” em processo de construção e desconstrução contínuo. Não há cenas lamentáveis demais, há potências esquecidas pela fragmentação das relações. E o placebo tem o efeito de, artificialmente (é uma artimanha), modificar comportamentos e nos reencaminhar ao outro lado do purgatório com maior destreza. Placebos, então são nossas moedas para Caronte!
            Somos organismo vivo puro. Tudo em nós acompanha a evolução biológica. Mesmo nossas criações (invenções) se sustentam dentro de um comprometimento inerente. Logo, por exemplo, as terapias, “placebos” impulsionadores de novas existências, recuperam nossa vitalidade e vivacidade por aconteceram com constância e certo despojamento, em nossa mente e com reflexos em nossas ações (interferências) cotidianas.
“Placebos” não são para pensar! “Placebos” são, simplesmente, para acreditar. Por isso, não pode haver uma moda ou, a cada ano, constituir-se um novo modelo ou conjunto de ações “placebos”. Para eles, o comprometimento e a força de vontade são fundamentais. Vivemos uma vida confortável porque, “vira e mexe”, somos estancados pelas -pseudo qualquer coisa e, criativos, escolhemos outros diferentes placebos para nos entendermos na Terra. Nossa ação é a de, constantemente, vivermos “tapando buracos” existenciais na ‘alegria e na tristeza’.
            Não criar ou aceitar os “placebos” da vida, impede-nos da vivência, por exemplo, do stress e/ou da depressão, com seriedade. Mesmo com a sensação de irrealidade de nossas dores, mesmo acreditando que pululações no corpo são somatórios emocionais, queremos os “placebos” para que nossas apreensões se diluam e possamos viver “às mil maravilhas”, principalmente conosco mesmo.
            Meu placebo? Minha loucura? Escrever... sempre e sem medo.

            Claudia Nunes 2007


OH DOCE DILEMA e PEDRA NA CABEÇA

Estou me vendo diante da tela do computador. Sou uma sombra de mim ou um artefato invisível? Não sei... Na tela, minha imagem acabou. Minha consistência está dissipada. Posso estar em qualquer ‘lugar’. Ainda assim pulsa um sentido de vida: o cursor se movimenta freneticamente de um lado a outro. Estou desaparecida, não estou anônima, há uma pessoa trabalhando. Pessoa? Onde está a pessoa? Cursor é uma marionete sem cordões, mas sob controle. Tantos estudos sobre anatomia, biologia e evolução humana, mas, diante da tela, presa na tela, eu sem nada! Só eu! Neste ambiente, a expansão possível é mergulho para dentro, numa descida sem fim e sem chão, mesmo sem minha vontade. Essa vertigem desata múltiplos nós e deles escorre jorros de informações. O que fazer? Não sei... Talvez arriscar ou tocar ou abrir itens inconscientes numa rotina de liberdade: são minhas linhas de fuga. Será que não vou escapar da sombra que vislumbro pelas laterais? Tela, ‘tele’, tecer, temer, então por que temer? Uau! É isso! Diante da tela, a perda da imagem só traz temor. Esse é o resultado da distração de mim. Mas cadê eu? Onde fui? Sou do mundo? Sou de todos? Não estou a fim dessa promiscuidade ainda. Por telepatia imagino-me novamente por que tenho uma parceira de vida: minha memória. O mundo pode me alcançar de qualquer maneira, mas as peças do meu ‘quebra-cabeças’ estão bem guardadas na memória. Ali sou livre, ali eu posso, ali eu me recrio quantas vezes forem necessárias. Não posso acreditar que ‘cada um no seu quadrado’ telemático tenha estabelecido experiências com a vida descartando o momento ‘corpo’, o momento ‘toque’ ou o momento ‘sorriso’. Estou diante da tela, da minha sombra, aceitando um processo de mudança, mas mantendo minha habitação inicial: a memória. Ela pode ser enganosa, frágil, emocional, dolorida, mas é tudo o que tenho como sobrevida. A vida não se retoma sozinha, ela se insurge contra ‘o de sempre’, contra as ‘asas da borboleta’ e vivifica no caos por causa das lembranças. As letras continuam aparecendo na tela e eu já não me vejo mais. O ‘papel’ digital me separa de mim. Se minimizar, me reencontro; se maximizar, me perco. Oh doce dilema! Eu tenho a decisão de me perder, me esquecer e, mesmo assim, temo e agonizo. São cavernas maravilhosas, coloridas e em festa: vícios começam assim. Eu me escondo, mas me divirto. Sou parte do mundo normal!

Claudia Nunes 2010


PEDRA na cabeça

Na ponte o sol se levanta. O barulho aumenta entre as casas. panelas, crianças, carros, tudo atesta a hora do trabalho. Estou na janela com insônica e dor de cabeça. Não me angustio mais. Estou redescobrindo a paisagem do meu quarto a cada noite perdida. E é uma paisagem sempre diferente. Ouço no andar de baixo as conversas. Banho, marmita, sapatos. Os barulhos não são mais identificáveis. O calor esquenta e incomoda. Olho a rua e dela brotam as primeiras pessoas. Caminham tal e qual zumbis. Não sabem quem são. Não acordaram para o mundo. Por repetição e esforço, caminham. Cada passo, uma ilusão, uma decisão, uma chateação, uma lembrança. Não há o que fazer só pensar. Agora o dia está preenchido. Tão preenchido que pára a madrugada. No barulho, o silêncio dos sentidos. Não há mais para onde olhar, tudo se mexe e agora atenção só com uma escolha de foco. O ponto de ônibus: os sonhos, as necessidades. Todos desconhecidos que se olham desconfiados numa cidade violenta. Poucos lugares. Acômodo de bundas, de mentes, das coisas e... voltar a dormir. Só que agora para sempre: uma pedra atinge a cabeça...

Claudia Nunes 2010



O ENGANO

            Dizem que não devemos julgar. Outros comportamentos, desempenhos, experiências, reações e aptidões não têm níveis de comparação. São únicos... individuais... diferentes... Estão dentro de um processo psico/bio/sociológico (cultural e espiritual) diverso em que, dizem, cada um tem seu cada um... Logo julgar é um vício social em que, ao invés de querermos o real, ansiamos pelo ideal. Atrapalhamos o caminho da sabedoria e do equilíbrio porque buscamos semelhanças, nunca entender as diferenças. Criamos, então, as relações de aparência (por interesse, obrigação, controle etc). Mais do que apontarmos limitações no Outro, hoje, para evitar dor e sofrimento, precisamos criar limites em nós mesmos e às nossas projeções imaginárias sobre o Outro. Mas e quando nos enganamos? E quando temos que assumir que nos enganamos? Se/quando julgamos, é possível verificar que parte do que o Outro é, seja descartado em prol de nossas necessidades reais. O risco de enganar-se é real.
Neste momento, o primeiro passo é a quietude. Não uma quietude da voz ou aos novos encontros possíveis, isso é uma decisão reativa (e boba!); mas uma quietude de si, dos pensamentos, da linguagem, do coração, para entender o que aconteceu e para permitir-se escutar o “para além” de si mesmo. O silêncio, então, iniciará nossa próxima comunicação com a realidade e com as pessoas, com cuidado. Mas, na hora do engano, é preciso decidir pela “in-sonoridade” total para entender em que momento a simulação foi maior do que a verdade. Se não conferimos as credenciais ou pedimos uma segunda opinião para cada nova relação; se confiamos plenamente em nossos limites e capacidades de absorção da diferença; na hora do engano, o chão é o nosso lugar, e aí o que nos resta é... LEVANTAR! O ser humano é o único animal que erra, que mente, e isso não o mata, isso o transforma, o ressignifica. Aqui, pensamos numa transformação positiva, uma transformação voltada a uma constante aprendizagem de si mesmo... mesmo a duras penas!
O segundo passo é deixar fluir as sensações, as lembranças, e tentar responder as perguntas: por que? como? para que? Errar é profundamente humano. Errar é acreditar abertamente em novas simetrias e sinergias com a vida, as pessoas e as coisas, principalmente pela atração afetiva (sedução / admiração). Porém, diante da realidade do engano, é necessário rever quem somos para decidir (ou ir decidindo) quem continuaremos sendo. Se, em algum momento, eliminamos nossa auto-defesa e nos permitimos confiar; na revelação do engano, é preciso reinvestir em novas fontes tanto de defesa quanto de confiança, e continuar... sendo. A idéia é simplesmente ir em frente. Por que? Porque nunca seremos sozinhos... nunca estaremos sozinhos... sempre seremos seduzidos pelo olhar, fala, jeito, pensamentos de outras pessoas. Se por curiosidade ou não (a razão não interessa), vamos também nos reinvestir em novas relações de todos os tipos. Porém, na hora do engano, e sabedores da “dor e alegria de sermos o que somos”, é preciso um sincero silêncio e uma radical mudança de planos.
Mesmo na hora do engano, percebemos que nossos instintos nunca se desligaram totalmente: desconfiamos das simulações ou que algo estava errado; suspeitamos; tivemos dúvidas; porém, como conhecer o Outro e as coisas com tantas reservas (barreiras)? como deixar passar a vida só procurando erros e defeitos, reais ou imaginários? como viver/aproveitar o presente querendo ter certezas sobre o futuro? Não é possível... Não precisamos ser irresponsáveis ou indiferentes às pequenas coisas que percebemos / vemos, mas também não é preciso automutilação do afeto em nome da razão. Em cada hora precisamos reconhecer que estamos fazendo o nosso melhor e com os recursos disponíveis no momento. E mesmo na hora do engano, precisamos saber que apostamos mais em nós mesmos do que no Outro; precisamos saber que pudemos e poderemos nos experimentar de outro jeito; precisamos entender o valor que nós temos para nós mesmos. O Outro é apenas uma interface que, constantemente, potencializará nossa capacidade de superação. Na hora do engano, o que se revela é nossa passividade diante de situações / pessoas confortáveis, já que o que se tem são nossos níveis altos de carência, fragilidade e insegurança. Apostamos mais e vigorosamente na manutenção do conforto afetivo do que no entendimento conflituoso das diferenças ou da mudança de ritmo do Outro diante de nós, da vida ou da própria realidade. O pior da percepção do engano é aceitar que quase todas as nossas portas internas foram abertas por nós mesmos. Nós convidamos o Outro a entrar. Tudo só aconteceu porque permitimos. Aí sim lógica, razão, orgulho e alegria são / serão nossos maiores traidores. Além de irônico, isto é sádico! Por que? Porque, depois de um momento de vazio (perda do sentido), e mesmo decidindo fugir momentaneamente das novas oportunidades, nós investiremos, de novo, em pessoas ou coisas pelas diferenças, pelas seduções, por curiosidade, por vontade, pelo eu for...
Sendo assim, entramos no terceiro e ultimo passo: depois da hora do engano, ao abrir mão de julgar e se julgar, devemos reabrir espaços para novos riscos; reabrir espaços para todos os oferecimentos e doações da vida; reabrir o coração para entender que o pior dos enganos se transmuta em nossa melhor chance de viver... por nossa ousadia. Somos seres abusados diante de qualquer tipo de “morte”. Segundo os mais velhos, “se um problema é impossível de resolver, resolvido está”... e a vida segue. Sem ferimentos ninguém passa pela vida porque o que temos como certo constantemente é o risco de perder. Ninguém precisa ser indiferente à segurança pessoal. Segundo uma grande amiga, “é preciso trabalhar pela segurança”, mas nada em excesso, nada muito duro, nada que faça o Outro desistir... de nós. Todos se abrem no ritmo e na medida em que são capazes de administrar, mesmo, às vezes, deixando, por muito tempo, o coração “dentro de um armário”. Na hora do engano, se “trabalhamos pela segurança”, quem retorna das cinzas, como Fênix, será sempre NÓS!

Egoísmo? Individualismo? Tudo bem...
Depois da hora do engano: é isso mesmo!

Claudia Nunes 2007


NAMASTÊ INTERIOR

É tempo de despertar! Oliver Sacks e eu aceitamos esta regra: é tempo de despertar! Um tempo em que, suspeito, tomaremos, eu e Oliver, novos caminhos. Mas o passo neste sentido está em gestação. Ao olhar ao redor, o tempo tem movimentos bem mais lentos do que antes e algo nos diz ‘nada será como antes’. Mas quando? Quando o ‘antes’ será ‘agora’? Ou ainda, por onde? A expectativa cria uma angústia. Como? Onde? E os dias passam. Numa terça-feira, experimentamos outro olhar. Saímos do cotidiano e tentamos esvaziar o corpo para o ‘porvir’. Susto no shopping. Susto no metrô. Acostumados com o ambiente solitário do carro, se submetem a todo tipo de olhares no metrô. São mudanças de objetivos, de ponto de fuga. Nós estamos em silêncio e olhando para todos os lados. Não é medo, é gratificação: estão no meio de todos. Em uma propaganda de rua, a palavra ‘namastê’. Novo susto! A vida trazia uma benção. A vida saudava nossas aventuras no mundo real. Nós nos entreolhamos e sorrimos. Estamos felizes. No centro da cidade, nos despedimos e sigo meu caminho. Engraçada essa expressão: sigo o meu caminho. Quando eu fiz isso? O que me valeu fazer isso? Quais mudanças fazer isso me trouxe? Eu não sei, só sei que seguir era única forma de me encontrar. Cada caminho é resultado de uma escolha que dificilmente poderei me arrepender e com o qual deverei conviver, por isso, hoje, com certos cuidados, sigo o meu caminho. Ando de olhos fechados: é uma decisão. Quero sentir os sons, os movimentos e os cheiros desta cidade que não pára de me surpreender. Amo minha vida. Amo outras vidas. Amo saber que posso ser e ter outras vidas. Com amor no coração, assisto à palestra ‘Cultura – Espiritualidade: os caminhos da individuação’. Muitas sensações. Orgulho da amizade. Prazer do reconhecimento. Felicidade pela conquista do Outro. Expectativa pela passagem do tempo. Esperança de sucesso. Tudo decorre bravamente para a louvação. Mas internamente sofro. Minhas angustias são discutidas numa história, numa análise e na expressão dos conteúdos. Presto atenção, é o máximo de comportamento que me dou ao direito. Presto atenção porque, mais do que revelação, tenho a capacidade de entender que ouvia como entender meu ‘touro’ atual. Ao meu olhar, o significado ou o esclarecimento advinham de gestos fortes, tonalidade de voz sedutora, afirmativas contundentes e muitas questões oferecidas para colar em minha ‘sinistra’ individuação. Depois de Oliver, Jung me atinge e exige novas ações de vida. A platéia, incomodada, fala baixinho, lembra e chora. Como assumir a cultura do perdão como forma de nova espiritualidade? A vida já tem (ou já está em) curto prazo, então como passar borrachas em intransigências, grosserias ou indiferenças tácitas? Eu não me mexo. Como sempre, aparece o pavor de chamar a atenção. Estou imersa em mim e atrás do meu ‘touro’. Amizade é um santo remédio! Na sala, todo o mundo rodopiou, a palestra era só pra mim. Eu precisava sair do esperado, precisava descompor minha neblinas construídas, boa parte, por projeções de outros. É uma cerca com brechas, mas é uma cerca. Serei eu uma camuflagem? Ou como escutei uma vez, um blefe? Cada palavra, toque de olhar e expressão fácil montam um quebra-cabeça de ideações de superação (abandono) de minhas inseguranças e inquietações. Como não posso brincar de adivinhações, espero um novo dia sem tantos egoísmos.

Claudia Nunes 2009


MULHERES QUE PENSAM X MULHERES QUE SOFREM

Era dos Modelos! E modelo molda mesmo. Modelo achata e reprime a possibilidade de ser diferente. E nos acostumamos. Nossos objetivos são os do senso comum. Nossa vida é a de sempre. Nem pensamos em limites. Estamos formados, regrados, linearizados em nosso movimento de SER todos os dias. Pelo menos, assim pensam / agem alguns...
Mulheres e homens vão aceitando grilhões e seus olhares tornam-se indiferentes a qualquer novidade. Essa é a proposta! Essa é a intenção! Ainda assim, nada disso destrói uma característica muito humana: o estranhamento. Em algum momento, a experiência apresenta algo insólito e a certeza do modelo se desmancha em nada.
Interessante... De novo estou pensando em relações. E relações femininas. Sinto que há um modelo para a pós-modernidade: intelectual, ágil, bem empregada, “descolada”, livre e... sozinha. E nem sempre isso foi uma escolha. Não houve tempo. Simplesmente aconteceu. Afetos e encontros foram muitos. Experiência não é a falta. Mas mesmo aos 40, 50 e 60, ainda são seres em busca de...
Legiões de mulheres vivem essa sensação com grande destreza. Mas outras tantas amargam o gosto do “in-conquistado” como um veneno bebido em doses homeopáticas. Estamos diante das mulheres invejosas, inseguras, auto-defensivas e más. Seu prazer é ver ou criar o desprazer de/em outras. Seu prazer é atrair mais parceiras de amargura, de qualquer maneira. E seu melhor disfarce é a aproximação ou a amizade. Todas as informações colhidas são pilhagens para a construção de uma armadilha.
Ignorantes, expõem mais do que escondem, seus desejos. E aí revelam mais do que destroem outras mulheres que se mantém em equilíbrio profissional e pessoal. Porque há mulheres que só chegam! Invadem os espaços criando uma aura cujo efeito é a pura admiração. Esse efeito não é fulgaz porque personalidade é sua figura de respeito. Entram, incomodam, exigem, observam, impõem e remexem o que for imaginário e necessário.
A vida sorriu para elas. São “mulheres que pensam”! Seu papel é imantar o ambiente com sua sedução, segurança e... um pouco de sorriso. Não há quem não as respeite porque isso é o mínimo. Lutaram a vida inteira tudo o que puderam e, hoje, têm “um lugar ao sol” por pura competência e boa administração de si e de suas emoções. Segundo dizem “dos limões recebidos, fizeram grandes limonadas” e seguiram em frente. São mulheres marcadas, bem marcadas, mas quem disse que os prazeres das conquistas não causam marcas? Dor faz parte da alegria de ser mulher!
Pasmem! Essas mulheres “não são a preferência nacional”! Sofrem com os estratagemas de um modelo que “desentende” o que seja estabilidade psíquica, pessoal e social. Aí o universo inicia sua conspiração. É preciso trazer as “mulheres que pensam” para uma fôrma. Projeções e transferências tentam igualizar problemas, estruturas (formas de pensar, agir e ser) e temperamento. É preciso torná-las cópias de certo histerismo social. Não há lugar para as “fora da ordem”.
Afeitas a um senso de justiça forte, sentem o clima hostil e... pensam. Este é o erro: nunca as deixem pensar! “Mulheres que pensam” montam no salto, jogam os cabelos para trás e entram na existência das outras, sem pedir licença! Isso não é um prazer, é sobrevivência. Não têm a ilusão da alegria de ser alguém para muitos ou para todos. Têm a certeza da existência de poucos eleitos. E de novo, o mundo conspira. “Mulheres que sofrem” invejam. Não aceitam as empatias imediatas. São incapazes de viver seus próprios sonhos. Pretendem o tempo todo certa contaminação: desvalorizar é ação ensinada como superior.
Rente às expectativas de um mundo inexistente, “mulheres que sofrem” escondem suas dores, vivendo as dores alheias. E quando se acostumam, vivem isso como um vício: criam dores no alheio para satisfazer apenas uma vontade. Não há objetivo. Não há mais um projeto. São escolhas aleatórias alimentando o seu vício e gerando energia vital. Mantém-se a máscara diante da face da inferioridade, da impotência, da inadequação e da insuficiência.
É fato! “Mulheres que sofrem” querem status e querem ser apontadas como responsáveis pelo desequilíbrio das “mulheres que pensam”. Esquecem que, para todo jogo (exceto o jogo de paciência), é preciso dois personagens: um que sente e o outro que é sentido. Como “mulheres que pensam” se autoimunizam o tempo todo, “mulheres que sofrem” passam a vida anunciando sua autoaversão: não são como as outras são. Escondidas, sozinhas, quando se comparam, é a “derrota do álamo”. Emergem carências e necessidades. E aí atacam, humilham, discriminam.
Ninguém é capaz de deter uma “mulher que sofre” em sua sanha de SER outra, ou mesmo de SER A outra. Suas atitudes visam angariar o merecimento de quem sente falta. Todas as conquistas das “mulheres que pensam” são boicotadas através de todo o tipo de artimanha, porque são consideradas invasoras “do que poderia ter sido e não foi”. São culpabilizadas por tudo e a pretensão é jogá-las na masmorra do esquecimento social ou no limbo da depreciação moral. Denegrir é a arte das “mulheres que sofrem”. Mesmo o sentimento de gratidão é impossível. “Mulheres que sofrem” estão cegas à sua própria natureza.
Tendo em vista a manutenção de certa tranqüilidade nas relações, “mulheres que sofrem” sofrem o tempo todo. Sua autodefesa se conjuga sempre da mesma forma: se vangloriam, enaltecem a si mesmo, falam excessivamente bem das próprias coisas, enfim, burlam suas próprias angústias e frustrações, como se nem existissem. Mas não agüentam essa carga de mentiras e voltam suas armas para as “mulheres que pensam”, espoliando-as no que puderem ou no que souberem ou no que imaginarem saber.
O que fazem as “mulheres que pensam”? O básico! Vivem suas próprias vidas! Como leoas, raciocinam antes do bote e vêem o movimento das manadas na busca da presa mais frágil, ou seja, do momento certo. Se ele não acontece, sempre haverá o momento seguinte. Quase nunca perdem o foco e se posicionam diante das “mulheres que sofrem” com individualidade e independência, mas armadas. Sabem que estão sendo perscrutadas, mas a redoma onde se colocam precisa de muito cérebro para ser atravessada. Têm estratégia, utilizam seu entorno como marketing, fazem levantamento estatístico em busca da média ponderada para cada gesto das outras, percebem os efeitos no público e... só. Daí em diante depende de quem quiser lhes enfrentar.
Numa atitude de indiferença respeitosa, encaram as “mulheres que sofrem” com um pouco mais de atenção, mas com uma grande pena. Veem possibilidades, mas se eximem de confusões e enfrentamentos. Até porque são audaciosas o suficiente para só entrarem numa guerra em busca da eliminação definitiva de quaisquer incômodos. São perigosas sim, mas são proativas sempre. “Tudo vai dar certo” é seu canto em meio ao pior turbilhão. Pode ser um disfarce. Pode ser sua defesa aos atingimentos sentidos pelas ações pífias das “mulheres que sofrem”, mas como dizem “fazer o que?” Sua vida de luta e sua integridade só bastam para elas mesmas. “Mulheres que pensam” são heroínas de mil disfarces e aceitam a incorporação de papéis diversos. “Mulheres que pensam” sabem o “gênio” que têm.
Inclusive e finalmente, “mulheres que sofrem” se percebem por causa das “mulheres que pensam” e estas se automotivam por causa das “mulheres que sofrem”. Hegel tinha razão: não há Senhor sem escravo, nem escravo sem Senhor. E assim, a vida segue...
Claudia Nunes



MUITO ALÉM DO VÉU

Ao acordar Alberta lembra que precisa arrumar tudo rápido para viajar. Depois de muitos sonhos e promessas, enfim iria viajar, iria sair pelo mundo para descansar e se experimentar em outros sóis. Deitada ela sente a alegria e a tensão deste momento. Deitada ela sabe que mais um véu irá ao chão: desnudando. Será que ela terá medo? Será que vai ficar indecisa? China é um país completamente fora do seu cotidiano. Ela trabalha com tecnologia de informação, fala inglês e grego, e estuda arquitetura egípcia. Por que escolher a China? Porque ela não sabia nada de lá. Até comprara um guia de expressões chinesas para viajantes, mas não abrira. A experiência de experimentar não poderia ser maculada. Seu corpo tremia e sua cabeça estava enevoada de imaginações. De repente, lembrara: iria sozinha. Depois da faculdade, pouca coisa fizera sozinha: alguém pra indicar, pra aconselhar, pra obrigar, pra mandar. Sempre um alguém na ante-sala da sua autonomia. E agora, China! Não foi fácil: mãe nervosa, sobrinhos tristes, namorada ‘bicudo’. Mas ela enfrentou e vai! Ai meu Deus! Olha ao redor: malas prontas, passaporte na cabeceira da mesinha, roupa de viagem na poltrona e contas pagas. Que felicidade! Que alegria! Nunca sentira essas coisas. Nunca teve licença para ‘estar-no-mundo-a-passeio’ e com pouca bagagem. Em cada dia, responsabilidades, obrigações, família e amor... tudo trabalho e muito cansaço. Nunca mais a sensação de liberdade de ser outra. Nem o espelho ajudava. Mas agora tudo mudou. A vida pode ter gosto bom! Alberta se espreguiça e promete a si mesma que suas próximas imagens serão verdadeiras, coloridas e sem ‘senões’. Todos os véus perdem os sentidos, as preferências, as texturas. As horas não mais a incomodavam ou distraiam: ela vai cruzar varaus e muralhas, transportando todas as suas emoções, com um convite: seu passaporte. Sem querer mais pensar, toma um banho gelado, se apronta com atenção, desliga as luzes da casa, fecha todas as janelas e pega as chaves. Alguém ainda duvidaria de sua importância? Não importa mais. Seu vestido é novo, sua mala é nova, até seu chaveiro é novo. Na próxima meia hora, cada passo dará elasticidade a sua maturidade para sempre. Ao descer as escadas, sob os olhares de outros moradores, e sem constrangimentos, Alberta corre desvairada pelo pátio da clínica de recuperação onde fora internada com delírios desgovernados.

Claudia Nunes 2010


MOMENTO DELETAÇÃO

Hoje lendo algumas crônicas em torno do cotidiano, comecei a olhar as pessoas e a mim. Era um olhar por dentro de mim e nas feições dos outros. Em muitos casos, havia uma verdade tanto no olhar quanto nos gestos. Mas o que me chamou a atenção foram os disfarces, as formas de disfarce. Internamente comecei a me perguntar ‘por que certas coisas eram negadas por mim?’. Ao redor, nas conversas, aconteciam jogos de sedução cínicos de todo tipo. Internamente, minha sedução exigia uma performance interativa relacionada à minha máscara (ou personalidade). Ao redor, acontecia um conjunto de seduções veladas de conquista ou de encontro com o bem-estar social e financeiro a qualquer preço.
Numa praça de alimentação de shopping, o que se estabelece é a reconfiguração cerebral em torno da solução de todos os tipos de problemas. As preocupações, mesmo as unicamente afetivas, estão na mesa, entre amigos e familiares e esperando solução, qualquer uma. A expectativa é que pensamentos negativos sejam suavizados na interação com o outro, com a outra experiência, com pouco esforço. Numa praça de alimentação de shopping, há a reflexão de um software integrado e cuja usabilidade é diversificada a toda hora de acordo com os interesses individuais. Seu funcionamento é automatizado pelas engrenagens sofisticadas e individualizadas de cada atitude ou postura em defesa dos próprios ‘umbigos’.
Mesmo excitados com os futuros encontros emocionais ou acreditando que a vida entrou em pane total, os grupos de pessoas procuram se ajudar compartilhando situações e colaborando em seus critérios de avaliação e esclarecimento. Todas querem uma ‘tábua de salvação’ e provavelmente apontar um ‘bode expiatório’. Eu olho ao redor e me meço também. O que faço aqui sozinha? O tempo nunca será meu parceiro. A vida está ativa lá fora. E o meu cérebro requer outra otimização bem séria. Como varrer de vez parte da memória ruim que insiste em me convencer que sou isso e não aquilo? Como transgredir medos internos e seculares e, enfim ‘ser aquilo’? Afinal, o que não gosto, o que não quero, o que não aceito, são os arremates da minha subjetividade e me diferenciam dos ‘quaisquer um’: como descartá-los?
Qualidades estranhas também pertencem à lista das características humanas. Ou não? Se assim o é, essas pessoas e eu fazemos parte de um organismo perfeito porque, em seu bojo, convivem e se inter-penetram vírus de toda ordem. E estes vírus são os adereços de nossas individualidades. A questão humana, então é de equilíbrio dos desequilíbrios éticos, emocionais e financeiros. É conviver com o vírus sem potencializá-lo por qualquer coisa. De repente um susto no meu hipocampo: a questão mais importante do mundo humano é que todos precisam de um Norton, um Avast, um McAfee ou um AVG interno, funcionando e atacando detalhadamente nossos recantos mais preservados. Antivírus é a nossa solução!
No século XXI, nós, humanos, precisamos reencontrar um antivírus potente que nos cause leveza de SER e/ou que nos reconduza a beleza de ESTAR. Em um texto distribuído na Internet, estão elencados alguns vírus aos quais devemos dar mais atenção, caso queiramos, minimamente, uma qualidade de vida social e pessoal. Para além dos ‘Tibas’, ‘Curys’ e/ou ‘Boffs’ da vida, não há mudanças sem aceitação e análise dos nossos becos escuros. Neste caso, atenção às sombras viróticas como:
01 - Pensamento sempre/nunca: Estas palavras desgovernam o processo de bem-estar. Fatos ruins não têm a probabilidade de se repetir. Fatos ruins são naturais em quem vive. Não há objetivos inconquistáveis, há trilhas aos quais somos obrigados a fazer por sobrevivência ou por oportunidade. Se você se diz ou escuta às vezes: ‘ele sempre me diminui’, ‘ninguém vai telefonar para mim’, ‘eu nunca vou conseguir um aumento’, ‘todo mundo se aproveita de mim’, ‘meus filhos nunca me ouvem’ etc. Momento de ‘deletação’: supere!
02 - Vírus do negativismo: Desde os tempos mais românticos, a questão da morte tem um lado de perfeição, de encontro com a perfeição, mas por isso o corpo adoece mais rápido e se autodestrói. Pensamentos negativos têm uma energia e esta precisa de parceria: o lado obscuro do humano. Não há como renegá-los, mas sua permanência é uma questão de escolha. Momento de ‘deletação’: enfrente!
03 - Vírus de prever o futuro: Às vezes, vivemos uma sequência de situações com resultados adversos. Isto nos leva a desacreditar em dias melhores e a perceber o futuro como negro ou cinza. Não há porque acreditar que os marasmos, a rotina ou as desilusões sejam eternas. Toda desorganização guarda em si um futuro restabelecimento, logo, antes de qualquer coisa, deve-se preservar as iniciativas, os valores e os projetos. É sempre tentar! Caso erre, não se sufoque, não desista, mude o caminho / o critério / as opções. Ninguém prevê o futuro, no máximo deseja. Momento de ‘deletação’: tente!
04 - Vírus de leitura das mentes: As interações diárias com as mesmas pessoas ou não criam um pensamento: conhecemos as pessoas. De acordo com isso, criamos clichês, preconceitos, orgulhos e intransigências. Todos somos diferentes, logo NUNCA sabemos o que os outros estão pensando ou como vão agir. Se vamos tomar conta da vida, tomemos conta de nossas vidas, algo já super complicado de fazer. Ler mentes ou comportamentos é pura ilusão. Momento de ‘deletação’: assuma!
05 - Vírus pensar com sensações: Na época moderna, Descartes era fundamental: ser humano é razão ou é emoção. Hoje sabe-se que nossa humanidade age integrando as duas características. Nossas sensações enredam razão e emoção com energia, daí termos reações diferentes diante de um mesmo evento. Eventos desagradáveis provocam pensamentos negativos. E dependendo da força, nos envolvem e nos levam às melancolias, depressões e fraquezas emocionais sem fim. Quando a frase ‘Eu tenho a sensação que isso não vai dar certo’ atravessar os pensamentos, momento de ‘deletação’: esqueça!
06 - Vírus da culpa: A mente, em alguns momentos, nos prega peças. Atingidos pelo mundo real sempre muito mesquinhos, autoritário e bruto, sofremos, e aí uma frase incompleta se faz presente: ‘eu deveria...’. É a culpa abrindo caminho direto ao coração. Outras expressões também são armadilhas: ‘eu preciso...’, ‘eu tenho que...’. se assim for, atenção! Substitua! O valor da nossa presença no mundo está em afirmações como ‘eu quero’, ‘eu vou’, ‘eu posso fazer assim’. Lembre-se de um ótimo ditado popular: ‘quem vive de passado é museu!’. Momento de ‘deletação’: siga!
07 - Vírus rotulação: Tão ruins quanto os clichês são os rótulos. As impressões são momentâneas. Devemos respeitar o tempo de aprender de cada um. Ao rotular descartamos a vivência de novas possibilidades de SER de todos. Nós nos tornamos arrogantes e frios. Ao rotular perdemos a capacidade de mudar ou repensar nossas próprias certezas diante da diversidade do outro. As cenas ruins ganham em potência sem reflexão e análise. O rótulo generaliza negativamente e transforma a realidade das pessoas em imagens virtuais de sua imaginação infectada. Momento de ‘deletação’: conscientize-se!
08 - Vírus da personalização: Somos pessoas no mundo, assumimos nossa importância porque, em algum momento, percebemos nossa inteligência e criatividade em prol da própria sobrevida. Porém assimilamos também um certo egoísmo, um individualidade negativa e um descumprimento constante da solidariedade. Como o ‘próximo’ não sou eu, eu não preciso ajudar, aconselhar, olhar. Nós nos tornamos ‘pessoais’ demais e, em conseqüência, levamos tudo para o lado pessoal. Se o que vem do outro não nos agrada ou conforta, pensamos logo: ‘ele não gosta de mim’, ‘ele está com raiva de mim’. Errado! Se o próximo está próximo aproxime-se. Um sorriso, um ‘olá’, um silêncio pode mudar a ordem das coisas. Momento de ‘deletação’: creia!
09 - Vírus culpar os outros sempre: É o pior de todos os vírus do pensamento! Neste momento o outro é a razão de todos os males e por causa dele não estamos melhores. Ao culpar automaticamente os outros pelos problemas da sua vida, este vírus o torna impotente para responsabilizar-se pelo próprio destino. Incapaz de mudar qualquer coisa. Use o "antivírus da auto-estima" e pare de se projetar nos outros as suas próprias culpas. Momento de ‘deletação’: seja você!

E seja feliz de múltiplas e originais maneiras!
Claudia Nunes 2010


MEIO TERMO

Este ano vai ser diferente. Princípio de um novo ano todo mundo se diz ‘este ano vai ser diferente’. Minha amiga não fugiu a regra. Seus objetivos de estudos foram alcançados. E o novo ano realmente é um ilustre desconhecido. Não há coisas pela metade a finalizar, a não ser algumas dívidas. Fora trabalhar, ela não tinha mais outras atividades. Então: reeducação alimentar? Hidroginástica? Atualizar o inglês? Viver outro grande amor? Ela não sabe. Hoje ela pode tudo. Está animada. Esvaziou armários. Rasgou milhares de papéis e textos antigos. Doou livros. Organizou arquivos no computador. Apagou centenas de e-mails. Novo ano mesmo! Uma renovação real e colorida. Energias outras pelo ar. Por fim incenso na casa. Minha amiga respira seu imaginário e pensa em apostas. Quer apostar em si, num outro ‘si’, só para variar. Mas ela ainda não experimentou o espelho. Está se preparando, mas nada ainda. Espelho inverte demais! Espelho é verdade demais! Ele está coberto... Espelho é a caixa de Pandora do feminino. Nele estão tachados: vulnerabilidade, afetividade, negações, temores e inexperiências. Minha amiga se incomoda com isso. Amigos são muitos, eventos semanais, atividades diárias, mas a emoção ainda não é recordação. Com um aerosol perfuma a casa. Sente que exagerou, mas é a vida. Os dias passam. Surgem os primeiros convites e propostas de trabalho. O mundo da minha amiga se ampliou pelos vazios. Ela pode mais. Não há receitas milagrosas. Não se pode acreditar em sacrifícios irreais. E há momentos de franqueza. Minha amiga vai juntar novos papéis inúteis, vai comprar novas roupas que não usará, vai sair da dieta sem culpa etc. E aí nova decisão: o meio-termo. Ações que ficam entre o ideal e o impossível de proporcionar prazer e a alegria são o meio-termo. Depois de tudo limpo, minha amiga lembra de Roberto da Matta e vai à rua. A muito tempo não andava pelo bairro e precisava se sentir parte daquele mundo de novo. ‘Nossa, como o supermercado está amplo!’. Padaria, jornaleiro, locadora, dentista, farmácia, papelaria, pastelaria, como tudo mudou! E as lembranças da infância são fortes. Ao se propor mudar, é a determinação que alonga o traçado de vida de uma pessoa. Há medicamentos para muitas coisas hoje, mas nada supera o poder da vontade. Minha amiga está (re)visitando seu interior, rompendo com a mesmice dos dias e indo ao encontro do que possa sobressair na pele, no olho e na boca. ‘Sua viçosidade será conquistada pelo desejo’ – acredita ela -, aliado a crença numa expressão popularizada ‘só por hoje!’. No mundo do meio-termo, cada ‘sim’ é sucesso. Na virada do ano, minha amiga superou-se em gradações. Minha amiga está no ‘meio-termo’, em equilíbrio, sem agonias existenciais. E o Espelho? Ainda coberto, mas incomodando. Sua limpeza regular é feita por outra pessoa. Depois de horas de dispensa, o espelho cresceu. Domingo de madrugada. Insone, minha amiga atravessa sala e quarto. Busca a varanda, busca ar. Na passagem, tropeça e cai por cima do espelho. Queda e vertigem. Não há apoio. Tudo vai ao chão. Minha amiga e espelho espatifados. Um caco alcança seu braço. Dói, dói demais. Corajosa, arranca o caco e grita intensamente. De dentro do caco, um olho vivo e desconhecido lhe olha. Na garganta, presa, uma pergunta: QUEM É ESSA?

Claudia Nunes 2009


LONGE DE CASA...

Um prédio enorme. Pessoas vagando pelos seus corredores. Estou presa em uma sala no fim do corredor do 1º andar. É a sala das revistas. Sabem o que são revistas? Revistas são nossa memória secreta. Estou cercada de sonhos e desejos... em potência. E todos estão fora do lugar nas prateleiras. Mas ninguém pode saber que estou aqui. Não quero que saibam... Quero muito os meus afazeres, mas não posso sair dessa terra do inconsciente. Estou presa! Em minha frente, uma estante com “papéis coloridos” espalhados... misturados mesmo! Olho, olho e não resisto: preciso arrumar esse espaço. Eu não posso ter entrado aqui à toa. Coincidência é a explicação dos indiferentes. Há sempre um mundo a ser arrumado. Se o ser humano cria extensões de si, porque eu não posso viver a existência desse ambiente de forma... existencial? Não dá pra fingir que tudo está bem. Nada nunca está bem. Quando tudo está bem, estamos sedentários. Nesses dias minhas telas estão cinzas. As coisas não me pertencem mais. Procuro um novo contexto. Àquelas revistas me incomodam. Não quero a informação, quero organização. Por que todas estão fora do lugar? Que mãos modificaram seus lugares? Arrumação é a minha meta hoje. Tenho uma estrutura de comportamento que exige atenção aos limites, cuidado nas reações e, principalmente, respeito. Logo, as revistas conseguiram me tirar do sério! Mexo e remexo em tudo... De vez em quando, leio as manchetes. Nada de útil. Nada que me reconecte. Nada... Estou muito longe... Hoje acredito e entendo Descartes. Hoje estou máquina. Minhas parceiras mais fiéis, as emoções, estão longe de casa. Aprendi a andar, respirar, comer, ler, tudo pelo tato. Vivo tateando caminhos nas redondezas das minhas inexperiências. Mas nem posso pensar em revelá-las! Ainda assim estou muito longe de casa. Aliás, o que é a casa da gente? O que é a casa de alguém? A minha casa sou eu e sou eu a muito anos. Vigotsky está abandonado. Ainda assim, acredito que qualquer lugar, tempo ou espaço em que não me sinta em defasagem existencial, seja meu lar. Mas, agora, nem mesmo o conforto me serve. Quero o simplesmente agradável. Estou num espaço limpo, branco e cheiroso. Tenho espaços necessitando asseamento. Aí me pergunto: que pegadas eu deixei na superfície da lua? Nenhuma! Poucas... Sei lá! Estou longe de casa e do meu trabalho. Jogadas ao chão estão todas as minhas viagens de 2005 e algumas dessas viagens não tiveram um bom fim. Isso é tão comum... Há verdade quando dizem que “a vida só com a felicidade é chata”. As tristezas são aquele tempero que cria aftas na língua, aí a gente sente que tem língua... Longe de casa estou eu na aventura de mim mesma. É preciso doses de coragem e doces covardias. O desafio é me manter em uma margem de segurança do que sempre fui. Sombras e apoios não são presentes para uma pessoa só. Longe de casa, não há bengalas que espantem os desconhecidos, os ousados ou os abusados. Faço uma pilha de revistas. As vozes do costume estão emboladas e eu não escuto nada nem ninguém! E se o “longe” é o tempo que me prepara, tanto posso me expor às suas radiações e experimentar outros tecidos mais vivos, quanto posso inaugurar a presença de chãos que me re-equilibre melhor. Talvez assim eu ganhe maturidade. Por pura defesa, crio a atrofia do temperamento, comportamento e gesto mais tímidos. Os desmaios do que fui são meus projetos mais adrenalíticos. Folheio as imagens. Abro espaço para vírus de muitas grandezas e os alimento com minhas deficiências. A arrumação vai acabar. Estou ansiosa. Perdi, por instantes, a estrada do amanha. Longe de casa estou sem imunidade e, de novo, resfriada. A tabuleta “lar doce lar” está na vida dos outros. Alguém me dá o “pulo do gato”? Alguém ilumina algum “caminho das pedras”? Será que precisarei ser “total flex” para a seqüência dos meus janeiros? Não tenho mais sustentabilidade, nem de corpo nem de alma. Acabou! Tudo arrumado! Hoje eu queria outros! Sala bonita, ar-condicionado no máximo, café quentinho, revistas em ordem, uma boa leitura. A pele gosta. O coração odeia. O cérebro dói. Longe de casa estou em perigo sem amigos. Lembro dos meus. Um sorriso para eles. Estou em perigo, mas tenho amigos. Minha tática da boa vizinhança é amigar-me. Mesmo sem humildade... Alguns deles também estão longe de casa: sofrem, se re-adaptam, choram, esfriam, ignoram... Faz parte da vida... Mas estamos todos longe de casa. Meu olhar tenta esquecer essa masturbação mental e procura o que ler. Batem na porta. É um amigo. Meu salvador. Ele diz: “ola, você está bem? Tava com saudade...”. Ave 2006!

Claudia Nunes 2005


LIMITES

Estou detestando a palavra “educar”! Cada vez mais penso que agir em meio ao seu significado é exigir do outro uma atitude passiva diante dos desafios do cotidiano. Aparentemente um educador molda seus educandos para que aceitem seus status quo sem confusões. Sendo assim, tornar alguém educado “cheira” a tornar alguém mais limitado do que as questões sociais brasileiras já o fazem. É tudo impressão, eu afirmo, mas por que, por exemplo, de uma hora pra outra, o assunto “perda dos limites” está tão na moda? O que são “limites”? O que é educar “com limites”? Hoje eu penso que isso é pura redundância. Do jeito que as coisas estão: se eu educo, limito. Se limito, tenho seres “educadinhos”, mas alienados.
Toda hora eu escuto: “precisamos impor limites”. O que é isso? Resquício da ditadura? Impor? Como assim? Se a relação entre família, escola e aprendizagem tem ruídos em seus desenvolvimentos, “parem o trem”, pois quero repensar! Segundo o que penso e percebo, o único momento em que é provável a percepção de que é necessário uma ação mais efetiva da família, no processo de formação dos indivíduos, acontece quando eles já entendem, quando eles já apresentam atitudes intencionais, quando eles não têm mais gestos inocentes. Daí em diante, ou seja, a partir dos 6 ou 7 anos, a FAMÍLIA precisa ter atenção às vivências, às amizades, aos divertimentos, às escolhas pessoais, aos comportamentos e às emoções de seus filhos. Lógico que, para cada evento (situação), uma postura, uma atitude, mas atenção é fundamental, afinal como viver e conviver na sociedade sem obedecer a regras mínimas? Mas isso se aprende em casa!!!
Sabemos que as exigências da sociedade atual requisita de forma perversa todos os pais. Todos precisam trabalhar muito porque precisam sub-existir e criar seus filhos. Há, então uma crescente dependência da escola, fonte de instrumentalização cognitiva para lidar com a sociedade do conhecimento. Ou seja, a escola passou a ser indispensável nas relações entre pais e filhos. Como não têm tempo de dar a formação aos seus filhos, os pais relegam à escola a tarefa de fazê-lo. Se a sociedade requisita um cidadão “multi-tudo”, é preciso entregá-lo com instrumentos acadêmicos certos para interferir neste contexto adequadamente. Mas sabemos que a escola não faz só isso: ela também socializa conhecimento e relações. Porém uma certeza: a família não cumpre seu papel por estar comprometida com sua própria subsistência e sobrevivência, e a escola não sabe como “construir” um cidadão empreendedor, instrumentalizado, se ele não teve da família a qualificação como sujeito. Hoje é emergente diferenciar com clareza o que é da família e o que é da escola. E com isso, de novo, voltaremos a discussão dos benditos limites!
Como desenvolver a idéia da existência de limitação nos indivíduos? Se todos nos sentimos culpados pelas nossas grandes desatenções e fragilidades, como criar no Outro a idéia de que existem regras, de que algumas precisam ser cumpridas e que, caso contrário, haverá efetivas conseqüências? Plagiando Assmann, é preciso “reencantar” a família de maneira a que esta entenda seu nível de importância na formação do sujeito, como fonte interferidora dessa formação com regras que o faça sentir-se adequado socialmente, inteirar-se do que a sociedade vive e conhecendo o que há em seu contexto. O resto, mesmo com a quebra de vários paradigmas, estabelece-se no livre arbítrio.
Pais não podem ter medo dos filhos. Pais precisam ter respeito aos filhos. Pais precisam ter a humildade de perceber que seus filhos recebem diferentes informações todos os dias e que precisam de atenção às suas dúvidas e reações o tempo todo. Não é impor limites, é administrar o tempo de convívio criando um ambiente positivo, de verdade e de diálogo constante. Lógico que, na contemporaneidade brasileira, há um medo generalizado de perder. É muito tênue a relação porque o tempo junto é ínfimo e, se é assim, o tempo perto é “para agradar”, nunca para discutir. O medo é do desgosto. E aí pais abrem mão de coisas mais valorosas e importantes. Gente, uma boa discussão leva ao conhecimento sempre! Limites passam a ser pontos que se entendem quando as atitudes são de exemplificação e de compartilhamento. É preciso mostrar aos “garotos” que condutas negativas não os tornam pessoas melhores. No futuro, o que virá é o agradecimento.
Limites sem diálogo? Papai Noel não existe! Limites acontecem gradativamente com um diálogo CONSTANTE e, muitas vezes, repetitivo, em que um fale e o outro ouça, e vice-versa. E os pais, acreditamos que mais experientes, devem entender de antemão que, tentar desenvolver limites em meio às indisciplinas, ou “erros”, é gerenciar as formas de se sentir percebido de seus filhos/alunos, afinal jovens têm a necessidade de chamar atenção. E chamar atenção é denúncia da falta de AFETO. Se a indisciplina é forma de chamar e ter atenção, para criar limites é preciso criar laços mais afetivos.


Claudia Nunes 2008