quarta-feira, 17 de junho de 2015

DEJEJUM de EMOÇÕES / DUAS IDADES

Mesa do café posta. Depois de muitos anos, a variedade de alimentos em frente a Lício era muito interessante. Ele não tinha se dado conta, mas sua vida dera uma guinada forte: o dinheiro entrava. A monotonia dos dias correndo atrás de dinheiro, descanso e felicidade mudara; agora a monotonia era tudo. Ele não precisava mais nada. Ele não tinha ‘que’ nada. A regra era escolher, optar e construir o dia como desejasse. Valera à pena? Hoje não era dia de respostas complicadas. Não tinha tempo para isso. O café fumegava a sua frente, tipos de frios se ofereciam aos seus sentidos e estômago, e, pelo menos três tipos de sucos surgiam para ele num grito primitivo de sobrevivência. Que difícil escolha! Que desperdício poder escolher tanto! Havia música no ar. Música vinda dos outros apartamentos. Música que ocupava sua varanda e o deixava ‘ligado’, ligado na vida, na vida do outro. Pensar na morte da bezerra era o princípio da loucura, mas era o melhor a se fazer correndo poucos riscos. Nada de caminhar para o trabalho, ir à academia, tomar banho ou ver televisão como máquina de produzir suor. Era preciso comer e respirar. Diante do desjejum, Lício precisava se esforçar para entender que o movimento dos pulmões não era banal. O café da manhã continuava gritando e não afetaria só o estômago. A energia era preciosa e ocupava todo o corpo. Lício estava emocionado, tão emocionado, que sua pele arrepiava, arrepiava e arrepiava aleatoriamente. Será isto alegria? Saudade? Autoconfiança? Satisfação? Sem jeito, começa a comer, mastigar e sentir. Não há nada sem a menor relevância. Ele pensa em meias, em limpeza, num filme, no beijo, na nova TV e a plenitude vai chegando. Como levantar e sair deste enlevo? Como perder este tempo e essas emoções tão suculentas? Além de mastigar, fecha os olhos e seu corpo (parece) ganhar espaço e dimensão. É um abraço à realidade. Ele arruma a mesa, olha de soslaio ao redor e vibra com a brisa que brinca com seus cabelos até o próximo orgasmo da imaginação.

Claudia Nunes 2010



DUAS IDADES

Hoje eu estava pensando em relacionamentos. Engraçado né? Todo mundo quer independência, mas quase todo mundo deseja parcerias de vida... e parcerias de vida inteira! Desde cedo, há todo um esquema social montado ou pré-moldado para o acontecimento de determinados eventos de vida. Estou dirigindo pela orla do Flamengo e vejo, passeando, diversos casais arrulhando como pombos. Interessante é que se você se aproxima tem a nítida sensação de que ou o amor tem limites, ou não há peles compromissadas. Os olhares estão turvos e o calor das ações são realizadas com pouquíssimos encantamentos. Não me interesso mais por questões de gêneros, acredito no bem estar, mais do que na felicidade. Então, por que as pessoas aceitam para ficarem juntas apesar de qualquer coisa? Não sei, nada me vem à memória. A idéia parece ser curtir, ficar, namorar. Ambos de alguma maneira confiam desconfiando, mas seguem de mãos dadas pelos dias supondo o próximo prazer. Meses ou anos tornam-se tempos que não refletem estabilidades a ninguém, mas o ideal é TER alguém. Parei e estacionei numa praça com carrocinhas de sorvete. Estou com um dilema: o que essas pessoas sentem? Onde apontar a emoção da paixão? Difícil... Um casal de idosos chama a minha atenção. Ela chora. Ele olha para o nada. Ela olha para dentro. Ele olha para o outro lado. Ficam ali, sentados, sem reação, mas abraçados e se amparando. O que será que aconteceu? Eu precisava saber: o que será que houve? Imaginei: depois de anos, eles descobriram novidades do corpo e da mente. Nas peles enrugadas e nos cabelos em neve, todo o esforço para construir uma história. Foram amantes de outras pessoas e, na ponta da vida, se comunicam, dialogam sobre o que não puderam ser. Suas histórias hoje causam dramas esquisitos. Eles não se conheceram nunca? O que teria acontecido? Orgulho? Vingança? Esperança? Solidão? Os velhos choram uma vida de esguelha. Do meu banco, eu via um rito de passagem para o mundo real. Discretamente, levantei e me aproximei. Ao invés de triste, eu estava empolgada com a possibilidade de saber. É infantil, bobo, cruel, mas por que não? Escuto uma última frase: ‘... volte a pensar em nossos filhos...’ Era uma decisão? Era um lamento? Era um pedido? Dois idosos sofrendo os desagradáveis efeitos de uma vida sem ternura. Dois idosos repensando seus pontos de contato. Dois idosos pensando em (re)proteger suas desejos e pensamentos com novos recursos ou disfarces. Todas as pessoas utilizam seus imaginários para suspender suas crescentes frustrações ou depressões. Seus sonhos ganham existência como defesa. Tal e qual uma bengala, os dois idosos são personagens em vôo alto, muito alto, de um mundo que se esqueceu do ritmo das idades e suas formas de envolvimento. Sinto uma tristeza absurda. Do nada, um sorriso compreensivo do homem ‘acarinha’ o meu coração. Seus braços entornam o corpo da mulher como se tocasse algo luxuoso demais. Levanto, saio e penso, ‘ninguém pode satisfazer ninguém plenamente’. Oh imaginação!

Claudia Nunes 2010


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