Prateleiras... Além de muros,
adoro pensar em prateleiras. Num domingo em casa e resfriada, olho minhas
prateleiras e penso em amor. Sim, amor. Como se monta o amor? Como se mantém o
amor? Como se vive o amor? Amor se constrói no desejo de prateleiras
emocionais. Amor se mantém na limpeza dos entulhos das prateleiras. Amor se
vive em cada prateleira recheada de sensibilidades dispostas internamente ou na
relação. E quando o amor acaba? E se o amor está sustado? O que
significa? Pelo que sinto, significa que o amor tornou-se inútil, obsoleto
e monótono como uma prateleira com elementos de outra geração. E ai
o que fazer com as prateleiras das certezas, da confiança, das doações,
dos silêncios adquiridas numa relação?
Prateleiras... Quais são os
sentidos das prateleiras na vida de alguém? Arrumação? Organização? Limpeza?
Investimento? Dentro de um armário, ou nas paredes ou mesmo nas memórias, as
prateleiras sugerem cenários cujos objetos, pessoas e informações estão
bem ordenadas e fáceis ‘de pegar’. Eu chamo de 'coerência de atitudes' ou
'consciência dos comportamentos'. Mas e as emoções? Como otimizar e organizar
as emoções? É possível? Ou pelo menos, é possível por muito tempo? Sei lá...
Esta semana foram veiculadas várias notícias sobre ataques e mortes por amor ou
porque o amor de UM acabou. Em sua grande maioria, homens surtaram, sequestraram,
espancaram e assassinaram suas cônjuges por não aceitarem a decisão de
'fim de caso'. O que isso quer dizer? Parece que, mesmo no amor, existem
espaços (prateleiras) cheios de sentimentos inenarráveis ou disfarçados cuja
representação só se pronuncia reativamente com a decisão do
Outro de ir embora ou de terminar a relação ou ainda dar um tempo. Até
onde posso observar, hoje em dia, os casais são formados pela loucura da
mentira de si mesmo em detrimento da conquista do Outro e na
esperança de que isto inaugure prateleiras emocionais fortes e, pasmem, 'para
sempre'.
E as crises? Não há vida
'limpinha' ou 'cor de rosa'. Pelo jeito, diante de determinadas crises,
ansiedades ou ‘xeques-mate’, em defesa de si mesmo, nos acercamos das
prateleiras cheias de pó e teias de aranha escondidas em nosso interior.
Em contrapartida, energizamos nossos imaginários, comportamentos e atitudes
perante o social ou em nossos relacionamentos para ‘parecermos’ bem,
articulados e abnegados diante da situação. É muita confusão!
Diante do confronto, o disfarce!
Diante do conflito, a agressão! Para que? Por quê? Impulso? Exposição do
inconsciente? Transtorno? Amor próprio ferido? Não há explicações, apenas
tínhamos os dados desequilibrantes dentro de nós e quando interceptados pelo
distúrbio da negação, afloraram como impulsos radicais e sem (pre)visão
racional. Neste momento, o que se quer é eliminar o problema para, de novo, nos
sentirmos bem e continuarmos a vida. Interessante como as diversas formas de
agressividade são nossas primeiras armas de acesso tal e qual um
grande trunfo 'na manga' num jogo de pôquer. É ganhar ou ganhar!
Mas somos compostos apenas disto?
Devemos ser analisados apenas por isto? Não! Nós temos de tudo um pouco, porém
forçamos o crescimento (e a repetição) de ações equilibradas (mas
performáticas) e claras de forma a evitar conflitos o tempo todo. Sem perceber
criamos feridas em nossas personalidades. Em nome da ‘paz de
espírito’, assumimos as rédeas da construção do nosso temperamento e de nossa
personalidade, e com isso supomos angariar o respeito e/ou o amor do Outro.
Discutir? Contrariar? Conversar? Nunca! Disfarce... Nossos sentimentos ganham
menos burocratização e mais vícios. Cada escolha e/ou decisão, neste
sentido, monta uma nova prateleira em nossas mentes capaz de facilitar o
acesso aos pensamentos e sensibilidades mais coerentes e estas são adivinhadas
em nossos olhares e em nossos passos, mesmo envoltos em diversidades (ou
gritos), como elemento importante no conjunto de nosso ‘organismo psicológico’.
Pelo menos, tentamos...
No mundo, em nossa relação com o
mundo, pessoas, objetos e sentidos são assimilados aos borbotões, e cada um, se
absorvido como importante, tem seu lugar em nosso coração e nossa mente,
daí serem necessárias novas prateleiras para que, internamente,
não possamos respirar com confusão ou dificuldade. Cada homem e cada
mulher têm sua pele e sua prateleira bem protegidas pelos conceitos e valores
aprendidos porque não dá para construir felicidade empilhando aleatoriamente
emoções e informações sem vivê-las ou sem pensá-las. Porém diante da recusa do
Outro, diante de um feedback muito crítico, essa abnegação pode se romper, essa
armadura de idéias e ações perdem seus véus. E, além de certas
fragilidades ou inseguranças inerentes, expômos nosso tanto de agressividade.
Aí retornamos às prateleiras do orgulho e da soberba! Ai, talvez, só
talvez, matemos...
O descarte é possível e é
provocado pelos desenganos, desvelamentos e descobertas pequenas ou grandes no
decorrer da convivência. Mas, ao invés de entrarmos numa
relação depressiva conosco mesmo, projetamos
renovações egoisticamente agradáveis, ou seja, independente do Outro. As
prateleiras dos sonhos, do passado são revistas e reacomodadas de acordo com a
intensidade dos nossos investimentos e muito relacionadas ao nosso
‘bel-prazer’, mais para atingir ferozmente o Outro, do que para aprender e, aos
poucos superar o desgosto. Esta ação aumenta a ação reflexiva sobre o
mundo exterior e sobre as pessoas. a sensação de abandono ou de solidão lidera
a vontade de nos embutir mais prateleiras internas. é a tentativa de controle
das emoções e, de novo, conter espaços compreensíveis, confortáveis e
seguros, a revelia do Outro. E ai, talvez, e só talvez, matemos... Triste,
muito triste...
Prateleiras emocionais dão a
sensação de que temos variadas opções de ocupação; interiorizam a certeza de
que nossos corpos estão abertos às múltiplas oportunidades cognitivas, motoras
e sensoriais que envolvem tanto o crescimento biopsicossocial, quanto educacional.
Mas, de outro lado, prateleiras emocionais também demonstram as dependências
que criamos quando confrontados com determinadas ações e situações. Neste
momento invocamos nossa consciência, pinçamos diferentes informações e agimos
por defesas para sobreviver, e não entendemos o que quer que nos tenha alijado
de nossas zonas de conforto. Por conseguinte, nossas memórias afetivas mais
atrapalham do que nos ajudam em nossos futuros passos na vida. Por
quê? Porque, nas prateleiras, temos de tudo um pouco e, no processo de escolha,
não reconhecemos possíveis conseqüências ou estamos desinformados sobre
o futuro, o que precisamos é nos defender a qualquer preço!
Humanos, humanos, é preciso
ter cuidado, criar prateleiras com informações versáteis e flexíveis ao
contexto exterior e/ou sobre o que se tem, o que se pode ou o que se quer ter,
fazer ou desejar, evitando grandes confusões e retrocessos ‘sangrentos’ à
liberdade de ser, no coletivo e/ou no par afetivo, um indivíduo de idéias
autônomas e sensíveis. Hoje em dia, não há mais espaço para pilhagens
aleatórias de informações ou emoções, é preciso reconduzir os cérebros a
mutações constantes, sem perder a sagacidade do entendimento de quem somos
ótimos no coletivo e na relação, mas, em princípio, precisamos ser maravilhosos
em nossas individualidades e por elas lutar quase sem tréguas sentimentais.
Quando aceitamos que sempre
haverá faltas visíveis ou sensíveis em nossas prateleiras, mais valor podemos
dar ao conjunto de papéis emocionais (ou não) que se deve expor em nossos
desempenhos (ou performances) afetivas. Evita-se, assim, um contínuo
abastecimento de indignidades, falsidades ou maledicências no coração e na
mente.
Quer prateleiras?
Assuma posições pessoais com
sabor de humanidade sem remorsos!
Claudia Nunes 2010
Nenhum comentário:
Postar um comentário