O mundo pós-moderno instalou o que Freud chamou de “o mal-estar na
civilização”. Há a sensação de que o futuro é uma fatia do tempo destruída por
todos os excessos. Não há mais sustentabilidade à construção de objetivos para
um futuro melhor, há a imediatez de resultados quanto a ser isso ou aquilo, no
“agora” de todas as ações e gestos individuais e coletivos. Criamos o ser em
representação extrema. Há a impressão de
que não há mais mistério a ser conquistado. E, neste sentido, voltamos a
ressignificar, por exemplo, as “folhas de papel”.
Diários,
agendas, livros, blogs tornam-se o reprocessamento da vontade de marcar a
humanidade na história, inesquecivelmente. Mesmo por simulação e envolvido em
dimensões diferentes de vida, o jogo humano sustenta-se em viver 24 horas
intensamente. Cada dado jogado na mesa da realidade assusta (e susta) de forma
drástica a rotina: ei-nos indecisos e espantados diante do todo real em que
estamos imersos!
Esse jogo intenso reconfigura nosso
espírito mágico e retomam à cena de nossas melhores defesas, as religiões, os
chás medicinais, os passes espirituais, o pensamento positivo, as –logias
(numerologia, astrologia etc) e a esperança. Tudo em prol da manutenção do
nosso bem-estar e de nosso conforto. Sem o futuro, adoramos o indecifrável como
sendo nosso cordão umbilical entre imaginação e realidade, ou mesmo, nosso fio
de prata entre o céu e a Terra, e vivemos o presente com muita intensidade.
Cordão e fio nunca podem ser cortados porque, por eles, circula a energia de
cada novo despertar, ação e emoção. Nossas zonas de conforto são nossas
receitas prontas ou mesmo, aquilo que nos é dado “de bandeja”, com esforço
mínimo e por elas conseguimos sobreviver a cada novo dia.
Essas receitas têm escritos (e
inscritos) ingredientes vitais que permite nos livrar de qualquer que seja o
sintoma (dor, sofrimento), porque antes de tudo, a ação de cura necessita da
crença e de confiança irrefutáveis. Acreditar é preciso! Como somos a
recorrência de nossos medos, de nossas atitudes e também de nossa inocência,
optamos, sempre, pelos chamados “placebos”, imitações de uma autenticidade
sempre dura de conquistar e de gerir. Sendo assim, ainda que “vaguemos pelo
vale da sombra da morte”, queremos calma, satisfação e prazer todos os dias.
Nossos “placebos”, ou
representações, ou simulações, ou psicotecnologias, por muito tempo foram
desacreditados. Eles fogem às regras da racionalidade social, e aí nos dizem:
“enfrente o problema! Não o evite!” ou mesmo, que evitar o confronto em
qualquer situação é pseudo-viver então “arrisque-se!”. Mas como encarar tudo o
que a vida nos apronta “com a roupa encharcada e a alma repleta de chão”? Não
dá! O corpo e o cérebro, em alguma hora, “alucinam” o seu desenvolvimento (e
funcionamento) e se rebelam: ficamos doentes “de tudo”, no limite tensional,
daí a evolução moderna das doenças psicossomáticas no séc. XXI. Não é possível
manter a integridade e a serenidade todo o tempo.
Por conseguinte, é preciso lembrar que ainda temos um cérebro reptiliano
forte, logo nossos impulsos e descontroles têm (fazem) parte desse nosso “show
da vida”, vez por outra, como forma de expurgo, de alívio, de (des)repressão.
Pretendemos uma “vida moderninha”, mas não podemos subjulgar nossa
primitividade sem criar distúrbios e graves bloqueios.
Como a vida se processa em uma onda
parabólica, nossos momentos “pseudo”, além de agenciarem a misteriosa
capacidade do cérebro de comandar alterações bioquímicas essenciais aos
combates com o cotidiano, também nos defrontam com o que realmente somos. Como
os “placebos” são nossa relação especular conosco mesmo, necessitamos demais
deles! E isso não é apologia a uma “vida cor de rosa” e cheia de felicidades, é
uma vontade de aproveitar todos os nossos momentos insólitos ou absurdos para
parar a engrenagem da rotina e criar novas propostas de interatividade:
interferência modificadora de si mesmo na relação com a vida.
Essa atitude torna os placebos
apoios psicológicos e informação terapêutica cujo reflexo é a ressiginificação
das estruturas mentais e sociais. Implementa-se nova noção (visão de mundo) sobre
a influência dos distúrbios na formação do ser social e entende-se melhor os
transtornos sentidos pelas surpresas, espantos e perdas diárias.
Todo ser humano é um “quebra-cabeça”
em processo de construção e desconstrução contínuo. Não há cenas lamentáveis
demais, há potências esquecidas pela fragmentação das relações. E o placebo tem
o efeito de, artificialmente (é uma artimanha), modificar comportamentos e nos
reencaminhar ao outro lado do purgatório com maior destreza. Placebos, então
são nossas moedas para Caronte!
Somos organismo vivo puro. Tudo em nós acompanha a evolução biológica. Mesmo nossas criações
(invenções) se sustentam dentro de um comprometimento inerente. Logo, por
exemplo, as terapias, “placebos” impulsionadores de novas existências,
recuperam nossa vitalidade e vivacidade por aconteceram com constância e certo
despojamento, em nossa mente e com reflexos em nossas ações (interferências)
cotidianas.
“Placebos” não são para pensar! “Placebos” são, simplesmente, para
acreditar. Por isso, não pode haver uma moda ou, a cada ano, constituir-se um
novo modelo ou conjunto de ações “placebos”. Para eles, o comprometimento e a
força de vontade são fundamentais. Vivemos uma vida confortável porque, “vira e
mexe”, somos estancados pelas -pseudo qualquer coisa e, criativos, escolhemos
outros diferentes placebos para nos entendermos na Terra. Nossa ação é a de,
constantemente, vivermos “tapando buracos” existenciais na ‘alegria e na
tristeza’.
Não criar ou aceitar os “placebos”
da vida, impede-nos da vivência, por exemplo, do stress e/ou da depressão, com
seriedade. Mesmo com a sensação de irrealidade de nossas dores, mesmo
acreditando que pululações no corpo são somatórios emocionais, queremos os
“placebos” para que nossas apreensões se diluam e possamos viver “às mil
maravilhas”, principalmente conosco mesmo.
Meu placebo? Minha loucura?
Escrever... sempre e sem medo.
Claudia Nunes 2007
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