quarta-feira, 17 de junho de 2015

BOA CONVIVÊNCIA?

Personalidade. Personagem. “Persona”. Máscara. Representação. Simulacro. Todas são palavras-símbolo aos parâmetros da atualidade e refletem uma luta atroz entre visibilidade e invisibilidade, em nome da “boa convivência”. Entendemos que, se a vida é um palco, viver a vida em sociedade é atuar de acordo com situações cujos roteiros nos são completamente desconhecidos. Os indivíduos, como bons artistas, caminham entre a determinação dos papéis sociais (ambiente externo) e aquilo que realmente são (realidade interior), “matando um leão” a cada dia.
Hoje, no entanto, esconder (ou omitir) é um verbo estratégico, pois sua ação equilibra e integra todos com todos de maneira a que, segundo o site Psiqweb, estejam salvaguardados os “quatro domínios psicobiológicos [a saber:] a regulação dos impulsos, a modulação afetiva, a organização cognitiva, e o controle da ansiedade”. Que coisa chata...! Nós observamos a vida e as pessoas (amigos) que conquistamos como instantes em que apenas as “personas” não nos satisfazem mais porque resolvemos entender seus comprometimentos com o mundo e com cada um, por vaidade...
Assim é engraçado pensarmos em “boa convivência”. Somos tão diferentes que acabamos por perceber uns aos outros através (e apenas) das alterações de temperamento que provocamos a cada vez que adquirimos e desenvolvemos, por exemplo, nossas afinidades. Mais do que personalidade, criamos duplas personalidades. Criamos pares de características existenciais que dão a tônica de nossas mais incisivas tendências comportamentais. Diante disso, a sensibilidade está exacerbada em relação às mínimas contrariedades e o foco na solidariedade está escasso...
Interessante também é que, apesar da “boa convivência” e da criação de “redes de relacionamentos”, somos efusivos (e muito rápidos) em demonstrar nossos desagrados, insatisfações, rejeições ou repúdios, e nos construímos pela premeditação de “pulos do gato” que nos mantenham na “crista da onda” das grandes formas de ser “moderno” como contar vantagem, depreciar o trabalho do outro, esquecer elogios, supervalorizar a própria importância etc. Isso sugere que, ocupar espaços em quaisquer setores, se dá pela distorção das vivências e sua conseqüência é o acirramento das relações em diferentes ambientes: está facilitada a conquista de inimigos.
Além da velocidade, outra palavra de ordem para entender o nosso século deveria ser desequilíbrio. As pessoas seguem a vida solidificando amargores... por nada. Aí sem uma expressividade aliviante, vão engolindo e aceitando muitas coisas, pois têm medo de enfrentar o Outro com suas próprias “personas”, individualidades e/ou temperamentos. São pessoas com nó na garganta e músculos contraídos. São pessoas apenas defensivas. São nossos piores inimigos porque seus principais disfarces são: o sorriso compreensivo, o tapinha às costas e alguns gestos de solidariedade.
            Como conquistar afinidades nesse terreno? Com observação e escuta. Melhor, deixemos quem quiser ser, ser o que quiser, e compreendamos que cada estilo é único e precisa apenas de respeito. Ao experimentar essa atitude, encontraremos lindas pessoas de “dupla personalidade”: uma dentro dos ambientes coletivos, por perspicácia; e outra, fora, pela liberdade. Mas, para isso, é preciso exercitar o que alguns chamam de “jogo do contente”, ou seja, saber (aprender) atravessar ambientes mais hostis com dignidade e postura cotidianamente, afinal há espaços que, depois de conquistados, não se entregam (desiste) de “mão beijada” jamais!
As pessoas de “dupla personalidade” são pessoas com imagens côncavas e convexas porque exprimem sua insatisfação com o que é normatizado... com ALTIVEZ, CONHECIMENTO e em decibéis altíssimos! Entendem que o puro aceitar é tornar-se massa... talvez até massa de manobra. E, por isso, elas têm sempre, na boca, como arma, a melhor pergunta de todos os tempos: “por quê?”
            Essas pessoas têm memória “na pele” e aí, dentro dos mais diferentes espaços, causam convulsões. Fora, estão soltos. Dentro, endurecem a expressão das emoções. Fora, estão livres. Dentro, imobilizam sua humanidade. Fora, são só deleite. Dentro, negam o prazer. Fora, são o amor. Dentro, são racionais. Fora, são plenamente joviais. Dentro, são a ascensão de Tanatos. Fora, são donos de mil carinhos. Dentro, sofrem as mentiras. Fora, são dignos das suas verdades. Então há perguntas que não podem se calar: o que custa acordar para a vida? O que custa desamparar-se de si mesmo, às vezes e deixar o Outro ser?
Mesmo em felicidade, ressignificar-se diante do diferente, ou mesmo diante de um incômodo, é importante para que “oxigenemos” o cérebro com outras possibilidades de Ser. É a terapia da auto-gestão interior porque “só depende de nós” mantermos nossa saúde mental, por exemplo, diante do assédio moral. Essa é a promessa de um olhar especular sobre si mesmo e a percepção de novos brilhos, novos frescores e pulsações impressionáveis, mesmo com alguns arranhões no imaginário.
            Quando as pessoas nascem, não vêm ao mundo achando feio ou errado sentir ou expressar o que quer que seja. São os adultos de plantão que se apressam por “ensinar” estes conceitos. É o início de nossa desconexão emocional. Menina sente raiva? Não! Menino chora? Nunca! Para que fazer isso com as pessoas? Isso é contrair a emoção demais! Como o corpo acompanha esse processo plenamente, surgem as deformações e, mais do que desvios de coluna, surgem desvios de conduta. Aí temos um século cujas palavras fragilidade, superficialidade, preconceito, intransigência, frustração, solidão, ansiedade, são os principais pontos em nosso mapa de navegação existencial que ora congelamos, ora coagulamos em nossas relações na cotidianidade.
Cadê o deleite, a beleza, a naturalidade, os presentes, o abraço, a possibilidade, a curtição, a magia, o toque? Estão nos de “dupla personalidade”, nos “diferentes”. Estão na capacidade de ser íntegro dentro e fora! Hoje esquecemos essa competência e só a reconstituímos, vez por outra, pelas habilidades queridas e realizadas... por interesse. Que horrível!
É difícil não sofrer com as influências do meio, mas diante dos diferentes, diante dos de “dupla personalidade”, a vontade tem que ser própria e se fixa na seara da palavra PARCERIA, substantivo que redistribui os comportamentos mais emocionais em espaços dominados apenas pela criatividade, e nunca pela vaidade.
Há um ditado que diz: “quando a miséria entra pela porta da frente a virtude sai pela janela”. Cuidado, gente!
            Prof e amigo querido Marco Larosa, um grande abraço!

Claudia Nunes 2007


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