quinta-feira, 18 de junho de 2015

PROMESSA INESQUECÍVEL


São 3 horas da manha de uma quarta-feira e eu estou acordadíssima. Eu e minha memória brincamos com uma nuvem densa de lembranças que cismam em permanecer acordadas. Como crianças, elas se misturam, se jogam, sorriem e não querem dormir. Todas são fortes, vistosas e estampam a vontade de nunca mais se esconderem... nem mesmo por causa do tempo. Às vezes acredito que precisamos de certas mortes para que a vida seja melhor vivida. Existem momentos em nossas vidas que são verdadeiros testes para nós mesmos. Nada nos previne. Tudo só depois. Assim estão as coisas agora. Assim me sinto agora: estou em “dejavouz”. Depois de trabalhar todo o dia, estava voltando para casa quando um Opala negro, 4 portas, ano 62, simplesmente se destacou em meio a todos os carros que passavam na Praça da Bandeira. Distraída, conversando comigo mesma, tive o olhar preso naquele automóvel pelo brilho de uma de suas lanternas traseiras. Eu conhecia aquela lanterna e a conhecia “de outros carnavais!” Parada no sinal, e distraída, estava minha juventude. Silenciei todos os pensamentos e mirei naquele objeto que carregava 14 anos da minha vida. Num primeiro momento não acreditei. Era impossível! Acelerei meu carro. Eu estava olhando para um carro em cuja direção estava a pessoa mais importante da minha vida: uma amiga. Tal qual o filme, Gilda era inesquecível. Eu não via a pessoa, via minha formação, minhas dúvidas, minha profissão, meus sonhos, minha afetividade e... meu erro. Os carros correram e minha imaginação alcançou parte do meu cérebro muito bem guardada: dias felizes. Nunca mais fui tão feliz na vida. Tenho felicidades diferentes, mas não com aquela profundidade, verdade e heroísmo. Atrás daquele volante e, em meio a fumaça do cigarro “ELA”, meu ídolo, minha admiração, minha escola, minhas primeiras experiências profissionais. Acelerei o carro e emparelhei. Ela estava completamente distraída. Como ficava distraída no trânsito do Rio de Janeiro? Ela era assim: paladina. Seus pensamentos sempre foram ágeis, direcionados e brutais. Nossa! Como ela estava diferente! A penumbra da noite a identificava, mas não a revelava. Pequena, cabelos bem mais curtos, rosto mais idoso. Nossa! Que bom vê-la depois de sete anos de desencontros. Emparelhei o carro muitas vezes, mas não tinha coragem de buzinar. Para que tirá-la da sua distração? Talvez a vida dela sejam essas distrações solitárias... Sempre teve uma imensidão de pensamentos diários... Sempre foi a mulher das grandes histórias ou dos grandes acontecimentos... Eu me sentia em queda livre. Minhas vontades escaparam. Meus desejos encontraram uma brecha bidimensional e entraram em meu baú de guardados. Doía lembrar... Por que encontrá-la agora? Por que eu tinha que vê-la hoje? Olhei o retrovisor e estanquei: eu estava morta! Eu estava vendo algo perdido / passado. Pálida, tive vontade de chorar. Encontros, desencontros, casamento, brigas, choros, amores, mestrados, viagens, fugas, cartas, discussões, enterros, bilhetes, presentes, cartões: todo o meu baú emergia sem dó nem piedade. Foram 14 anos em que Touro e Leão eram pura harmonia, lealdade e confiança, apesar do fantasma do descarte fácil. Deslizes sempre foram inadmissíveis! Agora olho àquela mulher e sinto toda a minha personalidade na minha cara! Ela nunca me disse “vem por aqui”, seu lema era “escolha o lugar e vamos!” Nenhum impedimento. Psicóloga de plantão, nenhum problema. Hoje eu sou! Hoje ela foi! Buzino ou não? A UERJ se agiganta e nossos caminhos vão se separar. A mão é voluntária para um desejo autoritário. Buzino: bip bip... Buzino de novo: bip bip... Escuto esse “bip bip” e acelero meu coração. São precisos dois olhares para que ela me concretize. Sinto o riso. Aceno. E ganho a palidez, o espanto e a seriedade de um rosto que nunca aprendeu a perdoar. Mesmo assim digo “oi bonita!” Nossa! Como foi bom dizer isso! Bonita sempre foi dela. Expressão cuja única lembrança é dela. Sinal fechado. Tensão doída. Digo ainda: “como vai?” Suspeito uma lágrima, mas nada... silêncio... olhar fixo em mim... Meus olhos estão marejados... Cometi um erro: um dia, quis ser diferente. Custo: a amizade. O sinal abriu. “Cantando” os pneus, ela arranca com o carro. Olhei e me lembrei: iríamos à Grécia esse ano e comemoraríamos 40 e 60 anos. Eis a promessa! E nas brumas da noite carioca, dias antes do meu aniversário, mal nos conhecemos. Por que acreditar?

Claudia Nunes 2005


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