terça-feira, 31 de julho de 2012

E O CÉREBRO SE REINVENTA...


Há muito tempo desisti do ‘quadro de giz’. Língua Portuguesa e Literatura podiam ser reinventadas. Apresentá-las paulatinamente aos aprendentes tinha que acontecer em outra dimensão, de outro jeito e, principalmente, com outros objetivos. Duas palavras borbulham em minha mente tal e qual um mantra: ritmo e repetição. Depois de compreendido o contexto de onde vêm meus aprendentes, ritmo e repetição são minhas palavras de ordem.
Mas como (me) reinventar? Como ativar essa engrenagem de sentidos em práticas mais prazerosas sem perder significância em meio a cada etapa do ensino e da aprendizagem? Só tenho uma opção: fazer diferente. E fazer diferente era me articular com outras formas de ensinar, outros recursos, outros olhares sobre meu aprendente; fazer diferente era provocar mutações em mim, em minha formação e, por consequência, em minha sala de aula.
Primeiro movimento: entender a dinâmica intrínseca da minha sala de aula. Ai eu reconheci que o tempo de aprendizagem deve ser usado (e organizado) de outra maneira: eu precisava causar surpresas, sustos, estranhamentos. Então segundo movimento: por motivação, ritmo e repetição, a aula precisava se articular dentro de práticas cujos resultados fossem descobertas variadas e a produção de novas conexões cerebrais e mentais em torno dos conteúdos. Mais do que quantificar era preciso qualificar as mentes curiosas para aprender, ainda que não se percebam assim.
Ainda hoje em dia, diante de um educador encontram-se mentes com potenciais de ação inimagináveis e que, por isso, demandam transformações nas estruturas de ensino. Ainda hoje em dia, diante de um educador encontram-se 86 milhões de neurônios cheios de informação e totalmente interconectados esperando estímulos (excitações) que empreendam dinâmicas neocorticais (sinápticas) variadas. Estes estímulos (desafios, atividades individuais, trabalhos em grupo e/ou dinâmicas) são importantes para nutrir, tonificar e fortalecer os cérebros de maneira a prevenir, ampliar e resgatar capacidades e habilidades mentais; além disso, entram em perspectiva com as expectativas discentes porque são sentidas como mais agradáveis, reais e focadas em seus contextos pessoais ou intelectuais.
Ao rompermos com conjuntos estáticos de comportamentos com a crença de que ‘sucesso do passado deve ser reproduzido’, ou ao rompermos com a estrutura tradicional de ministrar aula, rompemos com a linearidade do pensamento, rompemos com as zonas reflexivas de conforto (exercícios descontextualizados) e rompemos com determinadas desconcentrações, desatenções e indisciplinas. É uma questão do timing perceptivo docente.
Numa turma de 2º ano, do ensino médio, à noite, eu tenho 32 alunos frequentes. Em sua maioria, rapazes. Desde o início do ano letivo, eu percebia forte indiferença com a Literatura, além de grande dificuldade com a Língua Portuguesa. Enquanto outras turmas de 2º ano iam muito bem, esta turma teve primeiras avaliações muito ruins. Ai era a minha vez de pensar: o que fazer? como promovê-los?
Passei um fim de semana pensando. Eu não tinha feito um link com esses cérebros. Minhas práticas não foram pertinentes. Eu tinha a afetividade (sistema límbico) equilibrada, mas não alcançara o patamar do neocórtex de maneira que eles aprendessem para a vida, para a vivência autônoma da própria subjetividade em outros ambientes. Era então preciso influenciar o sistema nervoso diretamente e provocar a evocação mnemônica pessoal de maneira mais contundente. Era preciso mudar o comportamento cognitivo. Mas antes, eu precisava mudar.
No domingo, sem conseguir concentração para leitura, deixei a TV no canal MTV e fiquei vendo clipes de músicas. De repente, tive um insight: todos gostam de música! Cada clipe conta uma história. A partir dessas historias posso trabalhar fundamentos da literatura e língua portuguesa. Mas como seria a dinâmica? Com a música, eu atingiria os 05 sentidos, modificaria os ritmos intrínsecos dos cérebros e atingiria emoções apropriadas, memórias e certos comportamentos. Além disso, segundo Lent, ao ser estimulado e dependendo do ambiente, o cérebro se reorganiza, se adapta e aprende. Mas como?
Bem, pensei muito e fiz o seguinte: ao final da aula, apresentei a ideia sobre os clipes e pedi que trouxessem, em DVD, clipes de HIP-HOP que contivessem uma história, ou seja, clipes cujas letras das músicas fossem representadas por histórias. Eles ficaram animados, perguntaram mil coisas e de repente eu tinha muito material para escolher. Meus cérebros estavam atentos, participativos e ansiosos pelo que eu faria. Separei aleatoriamente os clipes e levei na semana seguinte.
Interessante como a presença de material eletrônico em sala já dá um up à futura dinâmica. Eles se interessam, olham, se aproximam e se oferecem para ajudar a ligar tudo: eles mexem em tudo sem medo. Depois de um tempo percebo que não há o ‘entra-e-sai’ de sala porque a perspectiva de algo diferente e a curiosidade são tão grandes que o ‘fora-de-sala’ é esquecido. Meus cérebros estão em plasticidade total e, segundo Lent, respondendo positivamente aos estímulos do ambiente não apenas com alterações funcionais imediatas, mas também com alterações de longa duração, algumas das quais podem se tornar permanentes.
Eles montaram tudo. Eu os deixei sentar em qualquer lugar, mesmo em cima da mesa. Ações iniciais: eles viram cada clipe e anotaram (descreveram) que historias foram vistas (narradas). Eles viram 08 clipes. Depois troquei todas as anotações e pedi que completassem a história do colega com detalhes esquecidos, se fosse o caso (dissertação e argumentação). Ai ‘destroquei’ tudo e pedi, oralmente, que separassem alguns elementos a partir de seguintes perguntas: onde aconteceu, com quem aconteceu, quando aconteceu, como aconteceu (elementos da narrativa). A partir disso discutimos alguns clipes (valores, ética, perda) e pedi que refizessem os finais de dois clipes a escolher (escrita e interpretação). Ao final apresentei os elementos da narrativa e expliquei o que é texto (tipos de) e suas formas de interpretação.
Na aula seguinte, aproveitamos as escritas e trabalhamos o substantivo, o adjetivo, o artigo e alguns pronomes (classes de palavras). Menos classificação e mais compreensão sobre a participação dessas classes de palavras nos sentidos que queremos dar aos nossos pensamentos. Ao final do trabalho e até hoje escuto: “e ai professora, vamos fazer algo diferente hoje?” Ou “poxa professora, entendi muito melhor agora o que é interpretar, é difícil mesmo né?” Ou ainda ‘não perco mais suas aulas, sabe-se lá o que vai acontecer?”
Estou satisfeita, porém o movimento de transformação (e inovação) não pode mais retroceder: não posso mais me dar ao luxo de perder esses cérebros para o nada; preciso continuar ‘antenada’ e manter a motivação, o ritmo e a repetição. As mudanças geraram novas necessidades de aprender, de conhecer, de entender outros assuntos; e geraram também confiança para perguntar o que quer que fosse. Estavam motivados! E por que, de repente, essa motivação?
A dinâmica abriu espaço para que eles se apresentassem como seres pensantes reais, proporcionou abertura para criatividades cognitivas objetivas e melhoria nos relacionamentos interpessoais. O desenvolvimento da atividade gerou reflexos positivos no contexto da sala de aula e aumento das capacidades verbal, auditiva e visual da maioria dos aprendentes. Minha sala de aula estava emocionada!
Faço minha então, a questão que levanta Lent: não é a educação a prática social que objetiva mudar as pessoas, capacitá-las a realizar tarefas e comportamentos, ensiná-las a executar operações mentais sofisticadas e complexas e viver em sociedade segundo normas vantajosas para as coletividades? SIM! Então, um bom meio para isso é fortalecer o sistema atencional do aprendente com práticas desafiantes cuja repercussão seja uma forte alteração cerebral e o uso pleno das funções cognitivas em geral.
A mudança de ritmo da sala e a repetição de atividades diferentes vão incorporando outros hábitos à cognição discente, o que gera eficiência no tratamento dos desafios seguintes. É afetar o corpo caloso no meio dos hemisférios cerebrais e energizar a mielinização das sinapses. É entender que para aprender, é preciso prestar atenção. E pode-se aprender a prestar atenção.
Hoje realmente outra questão me incomoda: por que tantas reclamações sobre a superficialidade das cognições de nossos alunos? Se esta suposta superficilidade for um fato, qual é o papel do professor hoje? Só reclamar? Eu reconheço que há outros senões embutidos nessas reclamações, mas será que há disposição para mudar e assim criar um clima melhor na sala de aula, quiça na escola? Eu não sei. Isto demandaria outra análise séria. Porém acredito que seja preciso outras posturas profissionais diante do outro que se desconhece e que está ali, na escola, na expectativa de aprender ou de ser (fazer) diferente.
Mesmo hoje em tempos líquidos, mais velozes, de forte integração das novas tecnologias virtuais, continuamos recebendo aprendentes em nossas escolas. Aprendentes com características cognitivas diferentes? É, pode ser, esta é uma discussão que vai longe, mas são aprendentes, estão dentro da escola e precisam aprender a aprender para fazer, ser, conhecer e conviver em sociedade. E ai ao professor não cabe se isentar deste processo: somos muito importantes sim!!!!! Só que precisamos remodelar nossas práticas diante dos ‘novos’ alunos e seus ‘novos’ comportamentos em geral.

Profa Ms Claudia Nunes

sexta-feira, 6 de abril de 2012

E O TEMPO PASSA...




FATOR DISTRAÇÃO

Ontem, após ministrar aula de produção textual, solicitei aos alunos que realizassem a seguinte tarefa: a partir de um vídeo de música, tirassem temas relacionados e compusessem uma pequena estrofe com as temáticas selecionadas. Era um trabalho em dupla. Eu também queria vê-los criando argumentos para convencer seu parceiro a usar determinados temas e não outros. Enquanto todos estavam concentrados, percebi uma aluna parada, quieta e olhando para mim. Assim que olhei, ela baixou os olhos. Estranhei. O tempo passou. A menina olhava para todos os lados, ai parou na janela e lá ficou até o final da aula. O que acontecia? – eu me perguntava. Todos entregaram seus trabalhos, menos ela. Ao ser perguntada, respondeu: ‘ah professora, estou muito distraída, não me concentrei’ – e saiu. Fiquei em silêncio...
Em casa pensei: fora a ansiedade, a distração é um recurso interessante para quem não se vê ou não se quer ver dentro da realidade; é um mecanismo de defesa comum àqueles que estão insatisfeitos, incomodados ou aceitaram a ideia de que não são importantes ou capazes. Não consegui dormir...
Meus alunos são distraídos de tudo! Será que suas massas cinzentas, recheadas de neurônios, foram afetadas por esse mundo cheio de necessidades e tão veloz? Então, como ultrapassar essa barreira tão forte e chegar ao um mínimo de atenção, concentração e reflexão em sala e na vida? Pego alguns livros de didática, outros de prática de ensino, um de modelos pedagógicos e leio diferentes pontos. Além da concentração, a informação assimilada precisa de células de gliais (precisa de proteção) para apresentar resultados cognitivos e isso, pelo jeito, só com desafios muito contemporâneos.
Na mesa de estudos do meu quarto, penso em aulas anteriores e de repente minha memória traz a lembrança alunos em distração de todo jeito, do mais ativo ao mais quieto: alunos agitados, entrando e saindo, papeando, apenas de corpo presente, sem material e muitos reclamando. Como não entendi isso? Como deixei passar? Realmente o cérebro é emocional e altamente seletivo: eu vi o que EU queria ver. Porém agora não há mais inocência, hoje tive nova maturação em torno da docência e agora eu sei: devo fazer alguma coisa! Minha disposição não adianta de nada, preciso criar predisposições.
Primeira ideia é de que cada encéfalo tem um movimento plástico diferente, logo as capacidades de manter a atenção estão lá em potência, mas também são diferentes. Essas capacidades dependem diretamente do funcionamento adequado e integrado de diversas áreas cerebrais, afinal é o cérebro, o órgão mais bombardeado de informações provenientes tanto dos órgãos dos sentidos (origens mais conhecidas), quanto de sistemas internos de regulação orgânica (como sistema de controle da postura corporal ou funcionamento metabólico).
Meus alunos, em sua maioria, moram em comunidades de média ou alta periculosidade. De alguma maneira estão envolvidos com as questões de violência de suas comunidades e sua crescente perda de valores e autoestima. Não acessam com facilidade as diferentes manifestações artísticas (cultura) e entendem a escola como espaço de obrigações chatas ou uma total perda de tempo. Quase todos têm problemas familiares sérios e médios desvios de conduta. Têm pouca qualidade alimentar ideal. E, como estão no Ensino Médio, público, noturno, sentem-se desvalorizados, desprestigiados e esquecidos por todos. Em muitos casos, muito cedo, sob a influência dos esquecidos anteriores (pessoas mais velhas e próximas), já optaram por caminhos de vida completamente ilegais. Muitos de meus alunos estão comprometidos com o poder da ilegalidade das relações e das conquistas.
Como recebemos mais informação do que o cérebro é capaz de lidar, temos que manter vários processamentos. No meio disso, surgem outras necessidades: filtrar ou bloquear parte dessas informações com os objetivos de sobreviver, escolher e tomar decisões. E prestar atenção é fundamental. E se dar um tempo de escuta e reflexão é muito importante. E inibir a distração é se dar uma sobrevida em sociedade. Mas como ajudá-los a fazer isso? Como mostrar aos meus alunos que eles são possíveis, a partir do momento que renegarem, por um tempo, suas distrações, certezas ou confortos mentais e emocionais diante da vida? A madrugada chega e nada me ajuda...
Não pensemos em transtorno e déficit de atenção e hiperatividade (TDAH). Não estou me referindo a distúrbios orgânicos. Estou falando de um tempo em que os mais jovens não estão sustentando suas concentrações por período prolongado porque encarnaram as certezas alheias e a velocidade do presente tecnológico. Estou falando de retroalimentar o tempo da diversão até um tempo de reflexão que favoreçam suas integrações em sociedade porque as novas tecnologias precisam estar em sala mas configuradas como pedagógicas. Estou falando em ensinar a selecionar, sustentar, manter e alternar níveis de atenção e concentração que diminuam seus prejuízos financeiros, profissionais, familiares e relacionais, porque é crescente ‘nossa’ perda juvenil para as facilidades das ilegalidades e da violência.
Meus alunos têm todas as competências biológicas para empreender este movimento plástico de aprender com qualidade. Quase manhã e nada... Estou à deriva e muito desconfortável... Muitas questões, muitas descobertas, mas nada de prática, nada de solução ou soluções para o agora da minha sala de aula.
Sem querer, meu sistema nervoso me tira dessa letargia: estou com fome e o estômago grita. Eu levo um susto. Não comi nada desde 17h e já são 3h50min da manha. Sem pensar, vou à cozinha, vejo o que tem e me alimento. Que bom! Enquanto me alimento, surge a resposta: estímulo! É isso! Tal como fez meu sistema nervoso através do meu estômago, a distração só se minimizará com estímulos, muitos estímulos. Estímulo como forma de desconectá-los de certas memórias e reconectá-los a outras mais significativas, úteis, curiosas, através de diferentes desafios. Estímulo através do desafio.
Jovens adoram se superar, adoram expor suas superações (conquistas). E as áreas do saber (disciplinas) precisam se remodelar em torno dessa ideia, mas dentro de algumas características importantes: flexibilidade, coletividade, desinibição, autonomia, menos controle. Todo e qualquer comprometimento pode ser ultrapassado (senão minimizado) por desafios flexíveis cujos objetivos sejam autolevantamento e autoavaliação das informações (certezas) anteriores.
Se distração é uma das características dos chamados ‘hiperativos’, também participa dos comportamentos mais sensoriais dos chamados ‘alunos normais’. Em ambos o córtex pré-frontal manda sinais inibitórios fracos às outras áreas do cérebro, de forma a sossegar as tantas informações advindas do meio exterior no qual interagem. Logo, ambos mantêm estímulos em demasia bombardeando seus cérebros e, ai, desafios, projetos didáticos diferenciados, novas intervenções sensoriais de forma a criar autonomias cognitivas se justificam em sala.
Volto para sala de aula, num dia quente demais. Cabeça cheia de planos e alunos cheios de gás. Quero esse gás para mim! Tenho duas estratégias na mente, mas preciso sentir a turma. Não posso mais deixar a distração abrir caminho para outros comportamentos senão o da aprendizagem continuada. As impulsividades são permitidas, mas nada que sequestre a ideia de aprender continuadamente. Depois de um tempo, peço que façam um círculo, vemos um documentário sobre ‘Sábado à noite no baile’ (episódio do seriado Cidade dos Homens), sinto algo no ar, ninguém fala. Alguns riem, outros comentam, mas nada fora do contexto. Onde está a distração? Onde está a indiferença? Depois disso, discutimos temas sobre Modernismo, identificamos vários desses temas nos jornais e pedi que fizessem uma entrevista com alguém dentro dos temas discutidos. O que eles não sabem é que, aproveitando as entrevistas, vou introduzir alguns temas da gramática.
Interessante observar que os pensamentos processados diante do vídeo foram surpreendentes. É o desafio. É a contextualização. É relacionar o saber dos alunos com aqueles oferecidos pela escola. É mexer com todos os neurotransmissores de forma a proteger e expor sugestões, ideias, pensamentos com liberdade. De novo, ainda se estabelece a impulsividade, mas os canais estabelecidos para seu acontecimento contêm mais reflexão e argumentos muito pertinentes.
No fim da aula, aquela aluna ‘distraída’ me diz: ‘poxa professora, por que a aula não é sempre assim?’

TEMPO DE CAUSAR

‘Um homem sem memória é um homem sem história’, logo vamos resguardar nossos melhores contadores de histórias e marcadores de experiências – nossos professores (Nunes)

Hoje em dia, vira e mexe, esquecemos alguma coisa. A velocidade da vida diária e nossa constante mobilidade tornaram nosso cérebro refém dos desejos e ações externas. Sem notar, mas com algumas dores, nossa biologia está alterada. Em pleno vigor, nosso cérebro e corpo tentam se adaptar, assimilar e responder às nossas (intencionais ou não) solicitações, mas, vira e mexe, estão vencidos. E vencidos, falham, rateiam, entram em disfunção e nos desequilibram: hoje, acredito, estamos em desequilíbrio eletroquímico e cheios dos mais variados mecanismos de defesa.

Uma de nossas maiores preocupações é a percepção de que a falha de memória está se tornando ‘natural’ demais. Num mundo em velocidade acelerada, a falha de memória é assustadora. Não me refiro às razões patológicas ou da chegada da velhice, isso realmente é natural; refiro-me à velocidade das informações, à crescente necessidade de se ‘saber e fazer de tudo’ um pouco, ao stress da vida moderna em que há mais cortisol do que serotonina (mais desprazer do que prazer) etc. Estamos eletrizando demais nossas conexões neurais e criando ‘brancos’ enormes no cérebro. Vivemos então desconfortáveis de nossos esquecimentos.

Esquecemos a chave de casa, procuramos os óculos que estão em nossa cabeça, ‘perdemos’ o carro num estacionamento ou supermercado, deixamos objetos importantes em diferentes lugares, esquecemos palavras comuns, enfim: somos reflexo da vida moderna e nossos neurônios de associação vão ficando desvairados, senão esgotados completamente. Então estes esquecimentos, quando constantes, requerem atenção, muita atenção, pois prejudicarão, em médio prazo, nossas diferentes relações e causarão, senão dificuldades, transtornos às nossos comportamentos cognitivos e relacionais. É preciso ter muita atenção a isso!

Em nosso cotidiano veloz, entre ter atenção e compreensão, e realizar armazenamento e resgate (processo de construção do conhecimento e da memória) de informações, é cada vez mais real a presença do estresse, do pouco sono, da má alimentação e, lógico, da má gestão das relações pessoais com o dia a dia. Se assim o é, como fica, por exemplo, o ambiente escolar? Como ficam aprendentes e ensinantes em meio ao processo de construção da memória de longo prazo? Só a afetividade basta para emocionar o cérebro e mantê-lo aprendendo? Bom eu não sei, mas, de ‘prima’, digo: na escola, essa falta de atenção, qualquer falta de atenção é mais (muito) perigosa.

Quando adolescentes, os sujeitos estão confusos, se transformando rápido, tensos de futuro, além de extremamente sociais e autoafirmativos. Suas expectativas estão fixadas no tempo presente. Conquistas, sucessos, amores, dinheiro, sustentabilidade estão na ordem ‘do agora’ e suas relações envolvem estas necessidades e interesses. Seus cérebros estão assimilando informações dentro dessas afinidades, e, em contraponto, é forte e imprescindível a necessidade de autoafirmação, quer por desejo presente, quer por objetivos futuros: o tempo todo isso os retroalimenta.

Embora se imaginem (se projetem) no tempo como grandes conquistadores (médicos famosos, engenheiros famosos, empresários famosos, DJs famosos, artistas famosos, cantores famosos etc.), sua ambiência escolar atual está coagulada, com mielinização rala e sem ‘cola’ em diferentes áreas do saber oferecidas a eles como possibilidade curricular de realizar seus imaginários. E ai: desatenção, indisciplina, violência ou indiferença. Alertas, aqui, à sensação de falta de integração dos alunos ao processo de ensino sempre igual. Então por onde começar? O que fazer?

Particularmente, eu aceito a perspectiva do tempo. É o tempo que nos separa e diferencia. Tempo de vida. Tempo das gerações. Tempo de expectativa. Tempo de formação. Tempo dos desejos. Tempo, tempo, tempo. Sem pensar nisso, é difícil pensar em transformações ou, ao menos, nos porquês das transformações e renovações das práticas e necessidades de um e de outro ator educacional. Afinal, todos precisam de todos.

Nosso sistema nervoso (ensino) entrará em colapso sem o sistema endócrino (aprendizagem) porque estão/estamos perdendo afinidades. Sinapses (aprendizagem) só tem qualidade quando se realizam por afinidade e demandam a participação de todas as nossas memórias mais proteicas e oxigenadas. Então se há forte divisão entre as expectativas estudantis e as propostas pedagógicas e didáticas, o jeito é ‘causar’. Ou seja, é preciso irritar as células e criar formas de condutibilidade das informações no cérebro; é preciso dar sentido, significância, ‘marcar’, ‘surpreender’, ‘desafiar’, ‘chamar a atenção’ e acelerar o movimento sanguíneo e a respiração com força. Porém, atenção, para além da percepção de que as práticas pedagógicas e didáticas precisam de renovação e mais sinergia com o mundo estudantil e tecnológico atual, há a séria necessidade de reformatação da formação dos docentes dentro dessa modernidade toda.

Tal e qual o cérebro, o professor está refém de um tempo em que se sente um estranho, um visitante, um imigrante, quando se vê no contexto da sala de aula. Sua memória cognitiva (formativa) também não encontra ‘cola’ em seu aprendizado teórico. Seus neurotransmissores entram ‘em parafuso’ por falta de informações afins anteriores. Ele se sente um corpo estranho. Mas, ainda assim, dizem, ele precisa se adequar para não desaparecer como tantas outras profissões. Será?

Como é preciso criar novos potenciais de ação (impulsos nervosos) para gerar atenção, curiosidade e questionamento discente, é preciso também potencializar a capacidade docente de estar atento ao novo tempo e seus novos alunos. Aqui ‘causar’ também é uma fonte rica de transformação e realização da ‘decantada’ qualidade docente para o século XXI. E ai, de novo, devemos ter atenção ao tempo: no período de formação, o cérebro do futuro docente, por ritmo e repetição, é crivado de teorias cuja base é o aluno ideal. Acontece uma constante plasticidade em torno da romântica idealização do ensino, da aprendizagem, da escola e de seu futuro aluno. Estranho, não?

Fora isso, em sala de aula, apresentam-se o tempo da reflexão (cognição docente) e o tempo da diversão bem mais tecnológica (cognição discente). E lidar com isso não tem perspectiva na universidade. É a primeira emoção negativa de um docente porque não basta reconhecer essa (ou aquela) realidade, é preciso ativar a memória de longo prazo ou mesmo o cerebelo (e suas memórias mais antigas), criar excitações neuronais e didáticas, para compreender e aprender as novas performances docentes exigidas com boa fluidez e criatividade. Como assim? Se no período formativo, os neurônios especializados tiveram outras tarefas, como exigir outras ações agora? Como recuperar uma memória que não se tem? Como recuperar informação que não se tem?

Bom, continuo pensando... Só sei que não há facilitadores, é trabalhar ou trabalhar; é se experimentar ou se experimentar. Muitos são os tipos de memória (visual, audiovisual, sinestésica e outros) e dependendo da área do saber, o docente pode privilegiar uma delas ao longo de seu trabalho, se tiver tempo e possibilidade de estudos. Senão, será uma proposta de reação instintiva mesmo. E isso tanto pode se oferecer como um momento excelente de ‘oxigenação do cérebro’ e atualização pedagógica; como também, pode ‘causar’ muitos problemas nos ensinos e nas aprendizagens (construção do conhecimento e de memórias de longo prazo).

Se tudo o que for possível estiver eliminado, a resposta está no impossível e daí sinceramente, é ser curioso e aprender a correr riscos. Se o mundo está em erupção social e educacional depois da forte entrada das tecnologias digitais e virtuais, novos caminhos precisam ser encontrados e os planos do curso educacional (re)traçados. Não se pode perder (esquecer) nada e/ou ninguém nos dias atuais, muito menos um professor. Atenção, muita atenção!

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012