quarta-feira, 17 de junho de 2015

ESPELHO D'AGUA

Hoje decidi caminhar na lagoa. Nunca fiz isso, muito menos sozinha. Mas hoje decidi: quero esta experiência. Parei o carro, comprei uma água com gás e saí andando... saí pensando. Problemas todos têm, mas que lugar lindo! Respirar aqui é fácil e prazeroso. Caminho a esmo e ao contrário dos carros. Quero ver tudo de frente. Gente correndo, pedalando, comendo, bebendo, rindo, conversando, fazendo ginástica. Gente de todos os tipos e com todas as cores possíveis nas roupas. Muito interessante! Um mundo em movimento. Ao redor da mansidão do espelho d’água, há um movimento intenso em busca de felicidade, saúde e relaxamento. Eu me sinto meio mal e começo a caminhar dentro de um padrão rítmico só para parecer também em movimento saudável. Inclusão também é isso, não é? Bem, uma caminhada sempre ajuda a criar, a pensar e, principalmente a me distrair. Estou em outro mundo, por dentro e por fora. Ritmo, saúde, respiração e brisa, eis a fórmula do meu desejo de deslocamento e nem percebo as marcas dos meus passos. De repente, algo me desperta duramente: perto da água, uma pessoa parada. Estranho... Tanta vida pulsando ao redor e em muitas direções, mas há um ser parado: uma mulher. Não consigo continuar. A mulher olha hipnótica ao espelho d’água. Há lágrimas em suas faces e isto me preocupa. Gente que chora é gente emocionada; gente emocionada está em desequilíbrio; e em desequilíbrio pode fazer qualquer coisa. Será um prenúncio de um suicídio? – penso eu. Fico apreensiva e me aproximo pé ante pé. Sinto que me fiz presente. O som do choro diminui. E ambas nos olhamos. Não há o que falar, há o que respeitar. Em silêncio olhamos o brilho e o movimento d’água. Qual é o segredo? Sem sentir, penso em espelhos. Que relação é essa? Por que espelhos? Eles criam dobraduras de nós mesmos. Eles nos invertem e transvertem sem licença ou aviso prévio. Por curiosidade, estamos dobrados. De alguma forma, os espelhos estão em todos os lugares. Mas no princípio era o lago. Deparar-me com meu próprio reflexo dependeu da presença do lago, de algo fluido, sempre novo e ‘impalpável’. Essa representação paralisa e me deixa à beira do precipício. Estou na outra margem do meu rio sem pudores. Não é fácil porque ele realiza sonhos sem atravessadores. Em imersão, não são mais os outros que me vêem e / ou me especulam, sou apenas eu ao quadrado. Em sinergia com o espelho ‘mim sou mim’ claramente. De novo, não é fácil. Ninguém está preparado para isso. Não há equipamentos para que eu lide comigo mesma. É verdade demais! Sem restrições, eu me agacho e sento na grama. A mulher me acompanha. Não nos dizemos nada. Ambas estamos ao nível dos nossos imaginários e sem nenhuma presilha. No espelho d’água, o ideal é saber imaginar. E esta é uma briga feia porque vivenciamos ações antagônicas demais: libertar e prender. Verdade e ilusão têm um mesmo tempo de acontecimento. Daí a dúvida: frente e verso ou frente em frente? Não há como saber. Um campo novo para exploração é sempre sedutor e amedrontador, mas quando o prazer está em jogo opta-se sempre pelos arrepios da mente e da pele de qualquer jeito e por qualquer motivo. Surge uma nova atitude: meu autorretrato. Mas este tem uma falha: estamos satisfeitas porque, diante do espelho, não há Outro. Esquecemo-nos que, no trânsito das mais sutis lembranças em nosso corpo e memória, há a realização de uma participação feroz do Outro, logo o mundo realmente somos nós! A mulher pára de chorar e me olha. A situação se inverteu. Em sua face, uma preocupação: o que acontece? Será que ela precisa de defesa ou de ajuda? – ela pensa. Estou tão encantada com meus olhos e novos focos que não percebo a mudança dos ventos. Quantos segredos, desejos, necessidades e medos. Neste momento, minha compulsão é por mim mesma. No espelho, um baú de pirata se abre e, de outros tempos, muitos ‘mins’ me atacam. Estou abduzida por um ‘mim’ sob pilotis, mergulho nisso sem bóia e me espalho. Sem perceber, a mulher segura minha mão: não vá – ela diz. Eu me debato diante daquela mão quente que cisma em me prender. De novo, eu escuto: não vá! Estou de frente para um querer sem fim porque há luzes atraentes em todo o lugar. Que lindo! Meus ouvidos doem com os pedidos cada vez mais altos da mulher: não vá! Mas não há ângulo para retornar ao mundo dos homens. Sem perceber tenho pontas em todas as direções e quero todas. Se vou retornar ao mundo real, que eu faça com tudo o que for meu: amor, carinho, alegria, consideração, respeito, conhecimento, objetivos. É tudo meu e o mundo precisa (me) reconhecer! Muitas tentativas, grandes fracassos. Minha alma começa a sentir falta de alguma coisa: a magia. E magia, leia-se expectativa, tensão, espera, emoção, superação, conquista. Como Narciso, estou consumida por mim mesma, pela liberdade de ser, pela falta de freio. Sem agitação sinto o corpo dormindo e me assusto: será uma nova prisão? Só voar não me complementa. Como sair? Como sair? – me pergunto. Repentinamente um abraço forte me sacode. Estou amparada pela mulher. Há um choro secular borbulhando em mim. Outra vez, eu e a Razão estamos felizes para sempre.


Claudia Nunes 2010

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