Hoje decidi
caminhar na lagoa. Nunca fiz isso, muito menos sozinha. Mas hoje decidi: quero
esta experiência. Parei o carro, comprei uma água com gás e saí andando... saí
pensando. Problemas todos têm, mas que lugar lindo! Respirar aqui é fácil e
prazeroso. Caminho a esmo e ao contrário dos carros. Quero ver tudo de frente.
Gente correndo, pedalando, comendo, bebendo, rindo, conversando, fazendo
ginástica. Gente de todos os tipos e com todas as cores possíveis nas roupas.
Muito interessante! Um mundo em movimento. Ao redor da mansidão do espelho
d’água, há um movimento intenso em busca de felicidade, saúde e relaxamento. Eu
me sinto meio mal e começo a caminhar dentro de um padrão rítmico só para
parecer também em movimento saudável. Inclusão também é isso, não é? Bem, uma
caminhada sempre ajuda a criar, a pensar e, principalmente a me distrair. Estou
em outro mundo, por dentro e por fora. Ritmo, saúde, respiração e brisa, eis a
fórmula do meu desejo de deslocamento e nem percebo as marcas dos meus passos.
De repente, algo me desperta duramente: perto da água, uma pessoa parada.
Estranho... Tanta vida pulsando ao redor e em muitas direções, mas há um ser
parado: uma mulher. Não consigo continuar. A mulher olha hipnótica ao espelho
d’água. Há lágrimas em suas faces e isto me preocupa. Gente que chora é gente
emocionada; gente emocionada está em desequilíbrio; e em desequilíbrio pode
fazer qualquer coisa. Será um prenúncio de um suicídio? – penso eu. Fico
apreensiva e me aproximo pé ante pé. Sinto que me fiz presente. O som do choro
diminui. E ambas nos olhamos. Não há o que falar, há o que respeitar. Em
silêncio olhamos o brilho e o movimento d’água. Qual é o segredo? Sem sentir,
penso em espelhos. Que relação é essa? Por que espelhos? Eles criam dobraduras
de nós mesmos. Eles nos invertem e transvertem sem licença ou aviso prévio. Por
curiosidade, estamos dobrados. De alguma forma, os espelhos estão em todos os
lugares. Mas no princípio era o lago. Deparar-me com meu próprio reflexo
dependeu da presença do lago, de algo fluido, sempre novo e ‘impalpável’. Essa
representação paralisa e me deixa à beira do precipício. Estou na outra margem
do meu rio sem pudores. Não é fácil porque ele realiza sonhos sem
atravessadores. Em imersão, não são mais os outros que me vêem e / ou me
especulam, sou apenas eu ao quadrado. Em sinergia com o espelho ‘mim sou mim’
claramente. De novo, não é fácil. Ninguém está preparado para isso. Não há
equipamentos para que eu lide comigo mesma. É verdade demais! Sem restrições,
eu me agacho e sento na grama. A mulher me acompanha. Não nos dizemos nada.
Ambas estamos ao nível dos nossos imaginários e sem nenhuma presilha. No
espelho d’água, o ideal é saber imaginar. E esta é uma briga feia porque
vivenciamos ações antagônicas demais: libertar e prender. Verdade e ilusão têm
um mesmo tempo de acontecimento. Daí a dúvida: frente e verso ou frente em
frente? Não há como saber. Um campo novo para exploração é sempre sedutor e
amedrontador, mas quando o prazer está em jogo opta-se sempre pelos arrepios da
mente e da pele de qualquer jeito e por qualquer motivo. Surge uma nova
atitude: meu autorretrato. Mas este tem uma falha: estamos satisfeitas porque,
diante do espelho, não há Outro. Esquecemo-nos que, no trânsito das mais sutis
lembranças em nosso corpo e memória, há a realização de uma participação feroz
do Outro, logo o mundo realmente somos nós! A mulher pára de chorar e me olha.
A situação se inverteu. Em sua face, uma preocupação: o que acontece? Será que
ela precisa de defesa ou de ajuda? – ela pensa. Estou tão encantada com meus
olhos e novos focos que não percebo a mudança dos ventos. Quantos segredos,
desejos, necessidades e medos. Neste momento, minha compulsão é por mim mesma.
No espelho, um baú de pirata se abre e, de outros tempos, muitos ‘mins’ me
atacam. Estou abduzida por um ‘mim’ sob pilotis, mergulho nisso sem bóia e me
espalho. Sem perceber, a mulher segura minha mão: não vá – ela diz. Eu me
debato diante daquela mão quente que cisma em me prender. De novo, eu escuto:
não vá! Estou de frente para um querer sem fim porque há luzes atraentes em
todo o lugar. Que lindo! Meus ouvidos doem com os pedidos cada vez mais altos
da mulher: não vá! Mas não há ângulo para retornar ao mundo dos homens. Sem
perceber tenho pontas em todas as direções e quero todas. Se vou retornar ao
mundo real, que eu faça com tudo o que for meu: amor, carinho, alegria,
consideração, respeito, conhecimento, objetivos. É tudo meu e o mundo precisa
(me) reconhecer! Muitas tentativas, grandes fracassos. Minha alma começa a
sentir falta de alguma coisa: a magia. E magia, leia-se expectativa, tensão,
espera, emoção, superação, conquista. Como Narciso, estou consumida por mim
mesma, pela liberdade de ser, pela falta de freio. Sem agitação sinto o corpo
dormindo e me assusto: será uma nova prisão? Só voar não me complementa. Como
sair? Como sair? – me pergunto. Repentinamente um abraço forte me sacode. Estou
amparada pela mulher. Há um choro secular borbulhando em mim. Outra vez, eu e a
Razão estamos felizes para sempre.
Claudia Nunes
2010
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