quarta-feira, 30 de novembro de 2011

O QUE ACONTECEU ENTRE 1959 e 2011

PARA REFLETIR

Entre 1959 e 2011

Cenário 1: João não fica quieto na sala de aula. Interrompe e perturba os colegas.
·        Ano 1959: É mandado à sala da diretoria, fica parado esperando 1 hora, vem o diretor, lhe dá uma bronca descomunal e até umas reguadas nas mãos e volta tranqüilo à classe. Esconde o fato dos pais com medo de apanhar mais. Pronto.
·        Ano 2011: É mandado ao departamento de psiquiatria, o diagnosticam como hiperativo, com transtornos de ansiedade e déficit de atenção em ADD, o psiquiatra receita  Rivotril. Transforma-se num zumbi. Os pais reivindicam uma subvenção por ter um filho incapaz e processam o colégio.

Cenário 2: Luis, de sacanagem quebra o farol de um carro, no seu bairro.
·       Ano 1959: Seu pai tira a cinta e lhe aplica umas sonoras bordoadas no traseiro. A Luis nem lhe passa pela cabeça fazer outra nova "cagada", cresce normalmente, vai à universidade e se transforma num profissional de sucesso.
·        Ano 2011: Prendem o pai de Luis por maus tratos. O condenam a 5 anos de reclusão e, por 15 anos deve abster-se de ver seu  filho. Sem o guia de uma  figura paterna, Luis se volta para a droga, delinqüe e fica preso num presídio especial para adolescentes. 

Cenário 3: José cai enquanto corria no pátio do colégio, machuca o joelho. Sua professora Maria, o encontra chorando e o abraça para confortá-lo...
·        Ano 1959: Rapidamente, João se sente melhor e continua brincando. 
·        Ano 2011: A professora Maria é acusada de não cuidar das crianças. José passa cinco anos em terapia pelo susto e seus pais processam o colégio por danos psicológicos e a professora por negligência, ganhando os dois juízos. Maria renuncia à docência, entra em aguda depressão e se suicida...

Cenário 4: Disciplina escolar
·        Ano 1959: Fazíamos bagunça na classe... O professor nos dava uma boa "mijada" e/ou encaminhava para a direção; chegando em casa, nosso velho nos castigava sem piedade e no resto da semana não incomodávamos mais ninguém.
·        Ano 2011: Fazemos bagunça na classe. O professor nos pede desculpas por repreender-nos e fica com a culpa por fazê-lo. Nosso velho vai até o colégio dar queixa do professor e para consolá-lo compra uma moto para o filhinho.

Cenário 5: Horário de Verão.
·        Ano 1959: Chega o dia de mudança de horário de inverno para horário de verão. Nada acontece.
·        Ano 2011: Chega o dia de mudança de horário de inverno para horário de verão. A gente sofre transtornos de sono, depressão, falta de apetite, nas mulheres aparece até celulite.

Cenário 6: Fim das férias.
·       Ano 1959: Depois de passar férias com toda a família enfiados num Gordini ou Fusca, é hora de voltar após 15  dias de sol na praia. No dia seguinte se trabalha e tudo bem.
·        Ano 2011: Depois de voltar de Cancun, numa viagem 'all inclusive', terminam as férias e a gente sofre da síndrome do abandono, "panic attack", seborréia, e ainda precisa de mais 15 dias de readaptação...
   
Cenário 7: Saúde.
·        Ano 1959: Quando ficávamos doentes, íamos ao INPS aguardávamos 2 horas para sermos atendidos, não pagávamos nada, tomávamos os remédios e melhorávamos.
·        Ano 2011: Pagamos uma fortuna por plano de saúde. Quando fazemos uma distensão muscular, conseguimos uma consulta VIP para daqui a 3 meses, o médico ortopedista vê uma pintinha no nosso nariz, acha que é câncer, nos indica um amigo dermatologista que pede uma biópsia, e nos indica um amigo oftalmologista porque acha que temos uma deficiência visual.  Fazemos quimioterapia, usamos óculos e depois de dois anos e mais 15 consultas, melhoramos da distensão muscular.

Cenário 8: Trabalho.
·        Ano 1959: O funcionário era "pego" fazendo cera (fazendo nada). Tomava uma regada do chefe, ficava com vergonha e ia trabalhar. 
·        Ano 2011: O funcionário pego "desestressando" é abordado gentilmente pelo chefe que pergunta se ele está passando bem. O funcionário acusa-o de bullying e assédio moral, processa a empresa que toma uma multa, o funcionário é indenizado e o chefe é demitido.

Cenário 9: Assédio.
·        Ano 1959: A colega gostosona recebe uma cantada de Ricardo. Ela reclama, faz charminho mas fica envaidecida, saem para jantar, namoram e se casam.
·         Ano 2011: Ricardo admira as pernas da colega gostosona quando ela nem está olhando, ela o processa por assédio sexual, ele é condenado a prestar serviços comunitários. Ela recebe indenização, terapia e proteção paga pelo estado.

Pergunta-se:
EM QUE MOMENTO FOI, ENTRE 1959 E 2011, QUE NOS TRANSFORMAMOS NESTE BANDO DE BOSTAS?

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

CÉREBRO E OS MALABARES

Parada no trânsito, observo dois meninos brincando com malabares. Eles se apresentam nas ruas por dinheiro. Em um minuto de sinal, olho e penso: como eles aprenderam?

Hoje em dia se fala muito sobre cérebro. Vários autores de diferentes ciências apontam o cérebro como a tecnologia das tecnologias. Outras tecnologias seriam ferramentas, artefatos, instrumentos. Mas o cérebro é inato, quase perfeito.

No mundo atual, o cérebro tem sido altamente atacado por um volume absurdo de informações em sua maioria síncronas. O tempo da atenção, seleção, compreensão e formação foi encurtado. Etapas da cognição são processadas aos saltos. Há uma crise nas chamadas competências e habilidades. Mas o garoto do sinal joga malabares sem errar. É um garoto novo demais para ter passado meses treinando. Sinal não abriu e eu continuo intrigada.

O cérebro dos nativos digitais recolhe as informações e as sobrepõe. Seus sentidos estão embaralhados e a plasticidade cerebral acelerada. Se ele aprendeu malabares, como será que aprende os conteúdos da escola? Malabares, além de dinheiro, é lúdico. O treino deve ser divertido e prazeroso. O cérebro redefine suas funções quando o prazer se instala. E na escola? Será tão fácil assim?

Na escola, mesmo se o prazer for estimulado, o ambiente é de reflexão. Se o mundo fora dela estiver exigente, competitivo e veloz; na escola, esse desequilíbrio não deve privilegiado. E os cérebros entram em crise. Fora da escola a atenção está diferente, mas dentro da escola, esta demanda tempo, o que fazer? Além disso há o choque de gerações. Imigrantes e nativos digitais estão próximos, precisam se relacionar, mas  ambos tem ações mentais diferentes uns sobre os outros. Ler, ouvir e conversar têm outras estruturas e outros procedimentos. Um dos malabares cai no chão: ele se distraiu com uma garota bonita que passou. Sinal abriu. Seu poder de concentração perdeu potencia por distração. Será que é isso que acontece?

Se a escola é chata porque o tempo do discurso é mais lento, os alunos estão distraídos. A aprendizagem perde foco. Os cérebros aprendentes então procuram outras imersões. Sem alternativas ou limites, alunos imergem no prazer em excesso, por exemplo, das ferramentas virtuais. Novos desequilíbrios e outras tantas distrações. Sem eficiência, são cérebros ágeis com retorno produtivo ineficiente em relação às exigências sociais. Despreparado, não conhecem, apenas se informam. O que fazer?

Chego a casa e fico na garagem, dentro do carro, pensando. São inteligências sem poder de manejo das informações que recebem. O processo de desligamento do seu entorno cultural é grande. Que triste! É um mundo diferente. O jeito é mudar as estratégias. É aprender novas apresentações de informação para estimular e explorar capacidades já existentes no cérebro. Expressão de ordem do processo de ensino e de aprendizagem: bioretroalimentação cerebral. É motivar o surgimento de filtros que possibilitem o descarte da informação desnecessária em detrimento do fortalecimento constante das sinapses e da memória de longa duração. É subir a pressão arterial e criar vários pontos à curiosidade. É acelerar a corrida dos neurotransmissores pelo corpo e ganhar energia física e mental.

Amanha preciso apresentar um projeto aos alunos: preciso ler e lê-los. Mas tenho uma certeza: minha formação não me preparou para os malabares.

Claudia Nunes

MUNICÍPIO E OS LIVROS DA ABL

Bem, repentinamente, o município do Rio de janeiro recusa livros doados pela Academia Brasileira de Letras. E isso não é ficção. Será que toda a rede tem livros? Será que em projetos educacionais, os livros não poderiam ser presenteados aos alunos? Livro em casa é uma forma de incentivo também. E os dicionários, por que devolver? Além do que, que desfeita! Suspense: por quê?

Ler é algo complexo. Ler não se limita aos textos impressos. Ler é tudo o que fazemos para entender o mundo e as pessoas. Ler é necessário à integração do sujeito em sociedade. Ler é saber o que aprender para ser. Profissões são resultados de leituras. Amizade é processo de leitura. Casamentos e paixões são seduções pós-leitura do outro. Ler é uma ferramenta que estimula criticidade, argumentos e opiniões. Nós, sujeitos de outros tempos, sabemos que ler se encaixa bem em outras ações: atenção, concentração e reflexão. Isso gera aprendizado. Ler é procurar variadas informações para solucionar problemas ou entender o mundo. Então o que acontece com nossos jovens? Eles lêem sim, mas são rápidos e práticos demais. São cérebros ledores muito velozes, mas impulsivos. Eles lêem o ‘agora’. Disputam leituras de mundo agora. Mesmo antes das novas tecnologias, os jovens estenderam os seus corpos e pensamentos no mundo, com todos os riscos e desconhecimentos. Os jovens então continuam sendo ansiosos, agitados, inquietos, impacientes e multi-tudo com as suas expectativa e necessidades. São leituras simples sobre uma realidade complexa. Como fazer com que entendam que a leitura traz mais opções de futuro? Como fazer com que entendam que a leitura bem feita (com tempo) pode realizar seus melhores desejos? Não há resposta. Leitura, em princípio, demanda afetividade, e, mesmo antes disso, demanda exemplo. Na escola, podemos alertá-los para histórias interessantes, mas nada é melhor do que o exemplo. Na escola pode-se oferecer boas estratégias de encontro com o gosto da leitura ao se oferecer também diferentes gêneros narrativos. Mas nada será tão incisivo quanto o exemplo. E o que seria o exemplo? Família. Incentivo familiar. Exemplo familiar. Atenção familiar. Precisamos aceitar o seguinte: saber ler letras unidas é alfabetização. Saber ler palavras unidas é letramento. Saber ler textos, mesmo os imagéticos e sonoros, é cidadania.

Nossos jovens nativos digitais, com pouco poder de concentração, elegem, inconscientemente, o conto, a crônica, a poesia e mesmo os microcontos como gêneros mais propícios às suas praticas de ledoras e literárias. Estão sob a influencia de um mundo performático e informatizado. Só que, na escola, ainda urge o texto impresso, ainda urge a linearidade de ações, ainda urge o professor dono do conhecimento. E na família, em sua maioria, nada mais. Na família, o mundo é o do trabalho para uma vida digna. E uma vida só de trabalho seleciona as prioridades: e leitura em geral não o é. É o tempo veloz descaracterizando as funções familiares.

No mundo do trabalho, o tempo passa com a prática de vida e não com a reflexão. Nas relações entre gerações, os mais jovens ficam quase à deriva porque, cada vez mais, não sua prioridade no seio familiar. Sua imaginação, criatividade e conhecimento ficam represadas. As válvulas de escape são construir ambientes, pessoas e cotidiano na Internet com total controle das dinâmicas. Ai a melhor defesa é o ataque: não gostam de ler. É melhor dizer isso do que acatar a chatice das interpretações de sala de aula. É melhor dizer isso porque todos acreditam e os deixam quietos. Mas ler passa pela possibilidade de transformar isso tudo. Como? Dando o exemplo.

Chega de verbalizações e experiências que não atingem suas inteligências! Se expressar nunca dependeu somente do impresso. A liberdade tem múltiplas cores e em cada uma uma leitura, um sentido. Em meio a eles, sejamos ledores mesmo. Aulas com contação de historias, que tal? Atitude de reconhecimento dos seus próprios interesses em sala de aula, que tal? Explicações com mais indicações ou citações, que tal? Ler só se incentiva quando quem o faz ama ler também. Não dá para ser diferente...

Exemplo, família? Exemplo, professor? Exemplo, município? Nada! Que feio!

Claudia Nunes