Um prédio
enorme. Pessoas vagando pelos seus corredores. Estou presa em uma sala no fim
do corredor do 1º andar. É a sala das revistas. Sabem o que são revistas?
Revistas são nossa memória secreta. Estou cercada de sonhos e desejos... em
potência. E todos estão fora do lugar nas prateleiras. Mas ninguém pode saber
que estou aqui. Não quero que saibam... Quero muito os meus afazeres, mas não
posso sair dessa terra do inconsciente. Estou presa! Em minha frente, uma
estante com “papéis coloridos” espalhados... misturados mesmo! Olho, olho e não
resisto: preciso arrumar esse espaço. Eu não posso ter entrado aqui à toa.
Coincidência é a explicação dos indiferentes. Há sempre um mundo a ser
arrumado. Se o ser humano cria extensões de si, porque eu não posso viver a
existência desse ambiente de forma... existencial? Não dá pra fingir que tudo
está bem. Nada nunca está bem. Quando tudo está bem, estamos sedentários.
Nesses dias minhas telas estão cinzas. As coisas não me pertencem mais. Procuro
um novo contexto. Àquelas revistas me incomodam. Não quero a informação, quero
organização. Por que todas estão fora do lugar? Que mãos modificaram seus
lugares? Arrumação é a minha meta hoje. Tenho uma estrutura de comportamento
que exige atenção aos limites, cuidado nas reações e, principalmente, respeito.
Logo, as revistas conseguiram me tirar do sério! Mexo e remexo em tudo... De
vez em quando, leio as manchetes. Nada de útil. Nada que me reconecte. Nada...
Estou muito longe... Hoje acredito e entendo Descartes. Hoje estou máquina.
Minhas parceiras mais fiéis, as emoções, estão longe de casa. Aprendi a andar,
respirar, comer, ler, tudo pelo tato. Vivo tateando caminhos nas redondezas das
minhas inexperiências. Mas nem posso pensar em revelá-las! Ainda assim estou
muito longe de casa. Aliás, o que é a casa da gente? O que é a casa de alguém?
A minha casa sou eu e sou eu a muito anos. Vigotsky está abandonado. Ainda
assim, acredito que qualquer lugar, tempo ou espaço em que não me sinta em
defasagem existencial, seja meu lar. Mas, agora, nem mesmo o conforto me serve.
Quero o simplesmente agradável. Estou num espaço limpo, branco e cheiroso.
Tenho espaços necessitando asseamento. Aí me pergunto: que pegadas eu deixei na
superfície da lua? Nenhuma! Poucas... Sei lá! Estou longe de casa e do meu
trabalho. Jogadas ao chão estão todas as minhas viagens de 2005 e algumas
dessas viagens não tiveram um bom fim. Isso é tão comum... Há verdade quando
dizem que “a vida só com a felicidade é chata”. As tristezas são aquele tempero
que cria aftas na língua, aí a gente sente que tem língua... Longe de casa
estou eu na aventura de mim mesma. É preciso doses de coragem e doces
covardias. O desafio é me manter em uma margem de segurança do que sempre fui.
Sombras e apoios não são presentes para uma pessoa só. Longe de casa, não há
bengalas que espantem os desconhecidos, os ousados ou os abusados. Faço uma
pilha de revistas. As vozes do costume estão emboladas e eu não escuto nada nem
ninguém! E se o “longe” é o tempo que me prepara, tanto posso me expor às suas
radiações e experimentar outros tecidos mais vivos, quanto posso inaugurar a
presença de chãos que me re-equilibre melhor. Talvez assim eu ganhe maturidade.
Por pura defesa, crio a atrofia do temperamento, comportamento e gesto mais
tímidos. Os desmaios do que fui são meus projetos mais adrenalíticos. Folheio
as imagens. Abro espaço para vírus de muitas grandezas e os alimento com minhas
deficiências. A arrumação vai acabar. Estou ansiosa. Perdi, por instantes, a
estrada do amanha. Longe de casa estou sem imunidade e, de novo, resfriada. A
tabuleta “lar doce lar” está na vida dos outros. Alguém me dá o “pulo do gato”?
Alguém ilumina algum “caminho das pedras”? Será que precisarei ser “total flex”
para a seqüência dos meus janeiros? Não tenho mais sustentabilidade, nem de
corpo nem de alma. Acabou! Tudo arrumado! Hoje eu queria outros! Sala bonita,
ar-condicionado no máximo, café quentinho, revistas em ordem, uma boa leitura.
A pele gosta. O coração odeia. O cérebro dói. Longe de casa estou em perigo sem
amigos. Lembro dos meus. Um sorriso para eles. Estou em perigo, mas tenho
amigos. Minha tática da boa vizinhança é amigar-me. Mesmo sem humildade...
Alguns deles também estão longe de casa: sofrem, se re-adaptam, choram,
esfriam, ignoram... Faz parte da vida... Mas estamos todos longe de casa. Meu
olhar tenta esquecer essa masturbação mental e procura o que ler. Batem na
porta. É um amigo. Meu salvador. Ele diz: “ola, você está bem? Tava com
saudade...”. Ave 2006!
Claudia Nunes 2005
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