quarta-feira, 17 de junho de 2015

BANHO DE SILENCIO

Hoje é dia de São Jorge! Acordei com a tradicional ‘Alvorada’. Diferentes seitas e religiões espocam rojões e bombas em toda parte, ao mesmo tempo e por vários minutos. São 5h10min, estou na janela, escutando. Este é o único sentido deste momento: escutar. Isto incomoda um pouco porque o olhar procura identificar de onde vêm barulhos tão fortes. É uma ação básica no ser humano, olhar para conhecer. Mas é inútil. De manhã não podemos identificar ‘os fogos’ como o fazemos quando observamos atividades de balões no ar, à noite. São proibidos, eu sei, mas é lindo demais! Depois de muitas tentativas, desisto e aceito ‘o escutar’. É retumbante! Meu coração parece acompanhar aqueles sons. De repente identifico outros sons. Não sei se as pessoas estão acordando ou foram acordadas como eu, mas tenho certeza que, já de pé, começam a vida, não tem jeito. Os sons se misturam cada vez mais e perdem suas identificações, inclusive de lugar. De sons pontuais tornam-se barulhos ou ruídos gerais. Se, no princípio, os sons tinham conotações religiosas, agora confundem e doem aos ouvidos. São 7h30min e começo a pensar no silêncio. Eu daria tudo por um repentino silêncio, talvez... de tudo. Um silêncio de tudo iniciaria uma renovação, será? É a minha esperança hoje. Este pensamento me leva a algumas perguntas: qual é o sentido do silêncio? É o barulho que anuncia a importância do silêncio? Qual seria a utilidade do silêncio? É estranho pensar essas coisas? Pois é, minha cabeça funciona assim esses dias... Desisto da janela, os sons diminuem e resolvo tomar um banho gelado. Dias de calor intenso, logo banhos ‘homéricos’ e gelados! Mesmo assim, mesmo debaixo d’água, de olhos fechados, penso no silêncio. Há um silêncio diferente no banho: limpeza. Banho limpa e o silêncio também: por quê? Penso em impurezas. Sei que ruídos e silêncio podem ser grandes refúgios, mas também, no silêncio do mundo, podemos ajudar o cérebro a agir com mais coerência, afinal, hoje, estamos imersos numa loucura de informações por ‘nano segundo’. Durante o banho, o corpo e a mente, sozinhos, esfriam e se acalmam. Acalmam? Bom, pelo menos, se (re)organizam memórias e emoções, segundo o Prof. Iván Izquierdo. É uma espécie de preparação para enfrentamentos no mundo porque há ruídos demais dentro e fora de nós. São ruídos complicados porque não nos dão a chance de entender e, muito menos de nos explicar. São ruídos das regras na família, na amizade, no amor, na escola, no trabalho etc. E não há separação: é tudo ao mesmo tempo agora a cada 24h de vida. Por isso, humanos anseiam pelo silêncio disfarçado em palavras como liberdade, meditação, espiritualidade, ginásticas, hobbys etc. De outra forma, ao sermos atingidos pelo som de uma fala, um gesto, uma leitura, seguramente, perdemos o direito de escolher porque tudo é avassalador e excessivo. Num click, num ato, numa situação, uma decisão, qualquer decisão, e só as consequencias serão pensadas e (re)pensadas. Mas, na solidão do banho, posso tudo, inclusive me desconectar do que ‘devo-ser’ e encontrar ‘quem-sou’, sem as restrições do contato com o Outro. É um momento temeroso, reconfortante e sedutor. Desculpem, mas o olhar do Outro agindo o tempo todo é um saco! Nos meus pés sinto passar mais do que água e sabão, mas minhas descamações cujo resultado é um grande sorriso. A água corrente continua caindo em mim e sigo aprendendo. Uma palavra a ser pensada também é autodisciplina. Como assim autodisciplina? Estabelecer hora e lugar para o silêncio das coisas? De novo estabelecer uma forma de controle? Quem sabe? Qual seria a possibilidade de escapar deste redemoinho? Enquanto procuro a toalha, penso em algumas propostas: segundo Iván Izquierdo, usar o bom senso; segundo minha amiga Marcela, abstrair-se; ou, segundo minha avó, cantar ‘babalu em grego’ e nunca parar de se/me experimentar no mundo e nos Outros. De qualquer forma, no silêncio ou no barulho, preciso de toalha, roupa limpa e um próximo passo.

SALVE JORGE!!!!
Claudia Nunes 2009


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