Hoje
é dia de São Jorge! Acordei com a tradicional ‘Alvorada’. Diferentes seitas e
religiões espocam rojões e bombas em toda parte, ao mesmo tempo e por vários
minutos. São 5h10min, estou na janela, escutando. Este é o único sentido deste
momento: escutar. Isto incomoda um pouco porque o olhar procura identificar de
onde vêm barulhos tão fortes. É uma ação básica no ser humano, olhar para
conhecer. Mas é inútil. De manhã não podemos identificar ‘os fogos’ como o
fazemos quando observamos atividades de balões no ar, à noite. São proibidos, eu
sei, mas é lindo demais! Depois de muitas tentativas, desisto e aceito ‘o
escutar’. É retumbante! Meu coração parece acompanhar aqueles sons. De repente
identifico outros sons. Não sei se as pessoas estão acordando ou foram
acordadas como eu, mas tenho certeza que, já de pé, começam a vida, não tem
jeito. Os sons se misturam cada vez mais e perdem suas identificações,
inclusive de lugar. De sons pontuais tornam-se barulhos ou ruídos gerais. Se,
no princípio, os sons tinham conotações religiosas, agora confundem e doem aos
ouvidos. São 7h30min e começo a pensar no silêncio. Eu daria tudo por um
repentino silêncio, talvez... de tudo. Um silêncio de tudo iniciaria uma
renovação, será? É a minha esperança hoje. Este pensamento me leva a algumas
perguntas: qual é o sentido do silêncio? É o barulho que anuncia a importância
do silêncio? Qual seria a utilidade do silêncio? É estranho pensar essas
coisas? Pois é, minha cabeça funciona assim esses dias... Desisto da janela, os
sons diminuem e resolvo tomar um banho gelado. Dias de calor intenso, logo
banhos ‘homéricos’ e gelados! Mesmo assim, mesmo debaixo d’água, de olhos
fechados, penso no silêncio. Há um silêncio diferente no banho: limpeza. Banho
limpa e o silêncio também: por quê? Penso em impurezas. Sei que ruídos e
silêncio podem ser grandes refúgios, mas também, no silêncio do mundo, podemos
ajudar o cérebro a agir com mais coerência, afinal, hoje, estamos imersos numa
loucura de informações por ‘nano segundo’. Durante o banho, o corpo e a mente,
sozinhos, esfriam e se acalmam. Acalmam? Bom, pelo menos, se (re)organizam
memórias e emoções, segundo o Prof. Iván Izquierdo. É uma espécie de preparação
para enfrentamentos no mundo porque há ruídos demais dentro e fora de nós. São
ruídos complicados porque não nos dão a chance de entender e, muito menos de
nos explicar. São ruídos das regras na família, na amizade, no amor, na escola,
no trabalho etc. E não há separação: é tudo ao mesmo tempo agora a cada 24h de
vida. Por isso, humanos anseiam pelo silêncio disfarçado em palavras como
liberdade, meditação, espiritualidade, ginásticas, hobbys etc. De outra forma,
ao sermos atingidos pelo som de uma fala, um gesto, uma leitura, seguramente,
perdemos o direito de escolher porque tudo é avassalador e excessivo. Num
click, num ato, numa situação, uma decisão, qualquer decisão, e só as
consequencias serão pensadas e (re)pensadas. Mas, na solidão do banho, posso
tudo, inclusive me desconectar do que ‘devo-ser’ e encontrar ‘quem-sou’, sem as
restrições do contato com o Outro. É um momento temeroso, reconfortante e
sedutor. Desculpem, mas o olhar do Outro agindo o tempo todo é um
saco! Nos meus pés sinto passar mais do que água e sabão, mas minhas
descamações cujo resultado é um grande sorriso. A água corrente continua caindo
em mim e sigo aprendendo. Uma palavra a ser pensada também é autodisciplina.
Como assim autodisciplina? Estabelecer hora e lugar para o silêncio das coisas?
De novo estabelecer uma forma de controle? Quem sabe? Qual seria a
possibilidade de escapar deste redemoinho? Enquanto procuro a toalha, penso em
algumas propostas: segundo Iván Izquierdo, usar o bom senso; segundo minha
amiga Marcela, abstrair-se; ou, segundo minha avó, cantar ‘babalu em grego’ e
nunca parar de se/me experimentar no mundo e nos Outros. De qualquer forma, no
silêncio ou no barulho, preciso de toalha, roupa limpa e um próximo passo.
SALVE JORGE!!!!
SALVE JORGE!!!!
Claudia Nunes 2009
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