Estou me vendo
diante da tela do computador. Sou uma sombra de mim ou um artefato invisível?
Não sei... Na tela, minha imagem acabou. Minha consistência está dissipada.
Posso estar em qualquer ‘lugar’. Ainda assim pulsa um sentido de vida: o cursor
se movimenta freneticamente de um lado a outro. Estou desaparecida, não estou
anônima, há uma pessoa trabalhando. Pessoa? Onde está a pessoa? Cursor é uma
marionete sem cordões, mas sob controle. Tantos estudos sobre anatomia,
biologia e evolução humana, mas, diante da tela, presa na tela, eu sem nada! Só
eu! Neste ambiente, a expansão possível é mergulho para dentro, numa descida
sem fim e sem chão, mesmo sem minha vontade. Essa vertigem desata múltiplos nós
e deles escorre jorros de informações. O que fazer? Não sei... Talvez arriscar
ou tocar ou abrir itens inconscientes numa rotina de liberdade: são minhas
linhas de fuga. Será que não vou escapar da sombra que vislumbro pelas
laterais? Tela, ‘tele’, tecer, temer,
então por que temer? Uau! É isso! Diante da tela, a perda da imagem só traz
temor. Esse é o resultado da distração de mim. Mas cadê eu? Onde fui? Sou do
mundo? Sou de todos? Não estou a fim dessa promiscuidade ainda. Por telepatia
imagino-me novamente por que tenho uma parceira de vida: minha memória. O mundo
pode me alcançar de qualquer maneira, mas as peças do meu ‘quebra-cabeças’
estão bem guardadas na memória. Ali sou livre, ali eu posso, ali eu me recrio
quantas vezes forem necessárias. Não posso acreditar que ‘cada um no seu
quadrado’ telemático tenha estabelecido experiências com a vida descartando o momento
‘corpo’, o momento ‘toque’ ou o momento ‘sorriso’. Estou diante da tela, da
minha sombra, aceitando um processo de mudança, mas mantendo minha habitação
inicial: a memória. Ela pode ser enganosa, frágil, emocional, dolorida, mas é
tudo o que tenho como sobrevida. A vida não se retoma sozinha, ela se insurge
contra ‘o de sempre’, contra as ‘asas da borboleta’ e vivifica no caos por
causa das lembranças. As letras continuam aparecendo na tela e eu já não me
vejo mais. O ‘papel’ digital me separa de mim. Se minimizar, me reencontro; se
maximizar, me perco. Oh doce dilema! Eu tenho a decisão de me perder, me
esquecer e, mesmo assim, temo e agonizo. São cavernas maravilhosas, coloridas e
em festa: vícios começam assim. Eu me escondo, mas me divirto. Sou parte do
mundo normal!
Claudia Nunes
2010
PEDRA
na cabeça
Na ponte o sol se levanta. O barulho
aumenta entre as casas. panelas, crianças, carros, tudo atesta a hora do
trabalho. Estou na janela com insônica e dor de cabeça. Não me angustio mais.
Estou redescobrindo a paisagem do meu quarto a cada noite perdida. E é uma
paisagem sempre diferente. Ouço no andar de baixo as conversas. Banho, marmita,
sapatos. Os barulhos não são mais identificáveis. O calor esquenta e incomoda.
Olho a rua e dela brotam as primeiras pessoas. Caminham tal e qual zumbis. Não
sabem quem são. Não acordaram para o mundo. Por repetição e esforço, caminham.
Cada passo, uma ilusão, uma decisão, uma chateação, uma lembrança. Não há o que
fazer só pensar. Agora o dia está preenchido. Tão preenchido que pára a
madrugada. No barulho, o silêncio dos sentidos. Não há mais para onde olhar,
tudo se mexe e agora atenção só com uma escolha de foco. O ponto de ônibus: os
sonhos, as necessidades. Todos desconhecidos que se olham desconfiados numa
cidade violenta. Poucos lugares. Acômodo de bundas, de mentes, das coisas e...
voltar a dormir. Só que agora para sempre: uma pedra atinge a cabeça...
Claudia Nunes 2010
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